Observações Sistêmicas da Participação e do Controle Social nas Operações Urbanas Consorciadas

Observaciones Sistémicas de la Participación y del Control Social en las Operaciones Urbanas Consorciadas

Fábio Scopel Vanin1

Janriê Rodrigues Reck2

Recebido: 05/02/2019

Aprovado: 13/12/2019

Resumo:

O estudo tem como objetivo geral indicar as possibilidades de controle e participação social nas operações urbanas consorciadas, com a contribuição da teoria dos sistemas. Para isso, apresenta-se, uma proposta de observação do conceito de operações urbanas consorciadas na perspectiva sistêmica; os fundamentos jurídicos do controle; a contextualização do tema na perspectiva da globalização, para após, tratar da observação dos movimentos sociais e dos mecanismos como audiências públicas e conselhos correlatos. Como resultado da pesquisa, verificou-se que, com a contribuição da teoria dos sistemas, pode ser realizada uma observação complexa da participação e do controle nas operações urbanas, onde constata-se uma potencialidade limitada, capaz de influenciar, mas incapaz de substituir as decisões tomadas no âmbito da operação. O método utilizado é o estruturalista, valendo-se principalmente da matriz sistêmica para construir as reflexões ao longo do texto.

Palavras Chave: Direito. Urbanismo. Operações Urbanas Consorciadas. Controle Social.

JEL: R52

Resumen:

El estudio tiene como objetivo general indicar las posibilidades de control y participación social en las operaciones urbanas consorciadas, con la contribución de la teoría de los sistemas. Para ello, se presenta, una propuesta de observación del concepto de operaciones urbanas consorciadas en la perspectiva sistémica; los fundamentos jurídicos del control; la contextualización del tema en la perspectiva de la globalización, para después, tratar de la observación de los movimientos sociales y de los mecanismos como audiencias públicas y consejos relacionados. Como resultado de la investigación, se verificó que, con la contribución de la teoría de los sistemas, se puede realizar una observación compleja de la participación y del control en las operaciones urbanas, donde se constata una potencialidad limitada, capaz de influir, pero incapaz de sustituir decisiones adoptadas en el marco de la operación. El método utilizado es el estructuralista, valiéndose principalmente de la matriz sistémica para construir las reflexiones a lo largo del texto.

Palabras Clave: Derecho. Urbanismo. Operaciones Urbanas Consorciadas. Control Social.

JEL: R52

Introdução

O desafio contemporâneo na gestão das cidades tem colocado os governos municipais frente a situações controversas, que acabam por exigir soluções inovadoras, abrindo espaço para novos instrumentos de intervenção urbanística. Ao mesmo tempo em que se exige melhorias nas condições socioambientais urbanas, os munícipios, em especial as grandes metrópoles, são demandadas para disponibilizarem novas infraestruturas e atender simultaneamente os anseios da população local e os interesses globais.

Neste processo, um dos temas que tem ganhado espaço na agenda internacional são os grandes projetos urbanos, que são recebidos no contexto do direito e da política urbana do Brasil, especialmente, através do instrumento denominado operações urbanas consorciadas, que passou a integrar a programação do direito brasileiro com o advento do Estatuto da Cidade, no ano de 2001.

O presente estudo propõe-se a analisar o instrumento na perspectiva da participação e do controle social. O artigo tem como base o seguinte problema: Quais possibilidades de controle e participação social nas operações urbanas consorciadas, com a contribuição da teoria dos sistemas? O questionamento se justificativa por entender que o aparato conceitual da teoria dos sistemas permite observações distintas das tradicionalmente apresentadas em âmbito jurídico, sendo assim, as reflexões aqui apresentadas, ao mesmo tempo que se valem da leitura de estudos pretéritos, visam complementá-los, sob novas perspectivas de análise.

A hipótese é de que a contribuição da teoria dos sistemas permite a criação de novas formas de observar as operações urbanas consorciadas e, consequentemente, o exercício do controle e participação social, identificando sua potencialidade. Desta forma se faz necessário apontar: diretrizes para uma observação complexa de operações urbanas consorciadas; um conceito sistêmico de operações urbanas consorciadas; as repercussões no controle social.

Para responder ao questionamento, confirmando-se ou refutando-se a hipótese, pretende-se: descrever o que programação e a estrutura do direito entende por operações urbanas consorciadas, apresentando-se um conceito a partir da teoria dos sistemas; observar os fundamentos do controle; destacar a importância e os desafios do controle social no cenário da globalização; e ao final, traçar reflexões sobre o controle social a partir da observação dos movimentos sociais e dos instrumentos de participação direta. O método adotado é o estruturalista, com utilização primordial da matriz teórica sistêmica.

1. Observação das Operações Urbanas Consorciadas e sua conexão com as Organizações Políticas

O primeiro tópico tem como objetivo demonstrar como o sistema do direito observa e conceitua as operações urbanas consorciadas, dando enfoque a sua programação no Estatuto da Cidade. Para isso, basicamente serão descritas as percepções da teoria do direito acerca do conceito previsto na legislação, com o intuito de apontar uma forma de observação para as Operações Urbanas Consorciadas, que auxilie no enfrentamento da problemática do controle. Uma hipótese é que elas possam ser observadas a partir do conceito de organização política, proposto por Reck (2018).

Tendo como base a matriz teórica adotada neste trabalho, que é a sistêmica, o Direito possui uma função, que é estabilizar expectativas normativas, e um código, que distingue as comunicações em direito e não direito, definindo o que integra e o que não integra o sistema do direito. Estas operações - código e função - são perenes, permanentes, imutáveis, mas, para realizar-se, necessitam, entre outros aspectos, acessar o conteúdo da programação do sistema, que por sua vez, é mutável. Isto ocorre para garantir a permanência do sistema ao mesmo tempo em que ocorre uma constante modificação e interação com o ambiente. Nas palavras de Luhmann (2016, p. 257) o sistema somente se adapta mediante “a forma estrutural do seu código”, já, seus, programas “podem admitir possibilidade de mudanças sem precisar temer uma perda de identidade”.

Assim, ao observar uma norma como o Estatuto da Cidade, está sendo observada uma parte da programação do direito, que pode evoluir ou ser alterada ao longo do tempo, seja pela autopoiése do próprio sistema ou pelos mecanismos de irritação e acoplamento, que ilustram a comunicação que o próprio sistema desenvolve perante ao ambiente. Desta forma, para Luhmann (2016, p. 258), o sistema do direito opera na seguinte dinâmica: “invariância e incondicionalidade são representadas pelo código; o caráter mutável, e neste sentido, a positividade, pelos programas do sistema”. De maneira bem mais objetiva, o presente tópico visa descrever como a teoria jurídica observa o conceito de operações urbanas consorciadas na programação do direito, e, a partir dela, definir um formato de observação com base na teoria dos sistemas para analisar o seu controle.

Antes de aprofundar tal questão conceitual, importa destacar, com base em Teixeira e Becker (2016, 138) que a teoria de Luhmann intenciona elaborar não uma teoria específica a determinado âmbito social, como o Direito, mas sim uma matriz teórica “universal, capaz de abarcar tudo o que existe, revelando-se uma teoria geral da sociedade”. Nesta proposta, o autor descreve três tipos de sistemas sociais, os quais são destacados por Reck e Bitencourt (2018, p. 32) como sistemas funcionais parciais (tais como Direito, Economia e Política); os sistemas organizacionais (como os entes públicos) e os sistemas interacionais, (como os contratos e a família)3.

Assim, conceitos tais como propriedade, parcelamento do solo, competência, ou mesmo as operações urbanas consorciadas, são construções do Direito que podem também, ser desenvolvidas a partir da observação de outros sistemas. No campo do planejamento urbano isto é comum, razão pela qual há de se atentar à interação entre os diferentes sistemas.

O Estatuto da Cidade, norma geral da política urbana no Brasil, vez que é editada com a finalidade de regulamentar os art. 182 e 183 da Constituição Federal, trata das operações urbanas consorciadas nos seguintes dispositivos: art. 4º, V, “p”, que a classifica as operações urbanas como um instrumento jurídico e político; art. 32 ao 34-A, que elenca conteúdo próprio do instrumento; e o art. 52, que classifica como improbidade administrativa a aplicação de recursos adquiridos na operação fora dela. O conceito de operação urbana vem descrito na legislação no §1º do art. 32, em complemento ao disposto no caput que autoriza o município, através de lei específica, que tenha como base o Plano Diretor, delimitar uma área para a aplicação do instrumento:

Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área de transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

O autor Silva (2012, p. 361-362) insere o instrumento como uma das modalidades de “urbanificação especial” e destaca que “toda a atuação urbanística que envolve a alteração da realidade urbana, com vistas a obter uma nova configuração da área constitui operação urbana”, explicando que no Brasil, antes mesmo do Estatuto da Cidade, já existiam outros modelos de operação urbana, sendo assim, a regulamentação prevista não representa necessariamente uma inovação para o direito brasileiro, embora traga novos elementos e direcione um entendimento nacional sobre sua aplicação, o que antes decorria da definições da cada município. 4

Observando o conceito indicado pelo Estatuto da Cidade, Lomar (2009, p. 249) explica que “não é qualquer intervenção urbana que pode ser juridicamente qualificável como operação urbana consorciada, mas apenas aquelas que se destinam à realização de transformações urbanísticas estruturais”, e ainda, que visem melhorias sociais e ambientais. Sendo assim, trata-se de uma classe específica que intervenção urbana, contendo, além da finalidade específica, medidas e conteúdo próprio.

A autora Alfonsin (2006, p. 289) propõe a observação do conceito de operações urbanas consorciadas a partir de quatro características: o conjunto de intervenções e medidas, estando nelas inseridas uma série de decisões necessárias para a sua concretização; a coordenação pelo poder público municipal, em uma definição de competência e de direção pelo ente estatal local; participação dos agentes, que se relaciona com a gestão democrática das cidades; e objetivos específicos: transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais, e valorização ambiental.

Em estudo que trata especificamente do instrumento, Olbertz (2011, p. 69-71) entende que o conceito legal deva ser observado de maneira mais abrangente, em especial que porque se trata de um plano urbanístico que terá que ser concretizado a partir da tomada de uma série de ações, observando a Operação Urbana Consorciada como uma “unidade procedimental” composta por diversos atos jurídicos de diferentes naturezas devendo ser “traduzido num procedimento urbanístico orientado”.

Outra observação do conceito, que pode ser destacada é a proposta por Carvalho Filho (2013, p. 275) ao afirmar que o dispositivo “revela, claramente, que o grande fundamento das operações urbanas consorciadas é de fato a parceria entre o setor público e o privado”. Para o autor, o Estatuto da Cidade reservou a coordenação de atos ao poder público, entretanto, “contemplou expressamente a participação dos setores privados”. Para o teórico, a própria utilização da palavra “consorciadas” reflete o sentido cooperação, auxilio e esforços conjuntos a serem empenhados pelas duas esferas.

Desta forma, com a leitura do dispositivo, somada a forma como a teoria jurídica observa o conceito legal, verifica-se tratar-se de instrumento complexo, que tende a gerar uma comunicação intensa entre o sistema do direito e o ambiente, em especial com relação a questões políticas e econômicas: a política pode observar a operação urbana consorciada como uma oportunidade tomar decisões vinculantes para toda a comunidade, ao definir novos parâmetros de ocupação para uma localidade específica da cidade, incluindo e excluindo regras e diretrizes, e, em consequência disso, promover transformações urbanísticas estruturais; melhorias sociais; e valorização ambiental de áreas específicas; a economia pode observar a operação urbana como uma oportunidade de rentabilidade, vez que, os espaços daquela localidade terão um aproveitamento mais significativo e estarão em uma área que contará com uma melhor estrutura e ganhos socioambientais, o que significa, um novo mercado a ser explorado.

Em decorrência de todas estas variáveis, se faz necessário indicar uma perspectiva para a observação do tema, para após, delimitar o que deve ser aprofundado para que não se perca o objeto central do estudo, que é o controle social do instrumento. Neste sentido, pode-se afirmar que uma operação urbana consorciada compreende duas formas de observação de interação simultânea e permanente: a) a formação de uma unidade procedimental de tomada de decisão, sob a coordenação do poder público municipal, que teve ter presente a cooperação público e privada e a participação social; b) a materialização das decisões promovidas pela unidade procedimental em um conjunto de intervenções e medidas aptas a modificar urbanística e estruturalmente uma área delimitada, com melhorias de ordem social e ambiental.

A indicação a) tem relação direta com o conceito de sistemas organizacionais acima referido, que se relaciona a formação de uma rede de tomada de decisão. As organizações decidem conforme determinados critérios, tendo como problema decidir, e decidir de forma ótima, criteriosa e eficaz. No campo das operações urbanas, tal situação se torna ainda mais complexa quanto da existência de empresas que serão parcerias do poder público, que também são organizações, mas que possuem critérios de decisão diferentes daqueles que orientam os órgãos e agentes públicos, o que torna a operação em si, um sistema interacional, com uma dinâmica e estrutura próprias, com bem descrevem Reck e Bitencourt (2018, p. 33):

Do cruzamento da atuação de sistemas organizações e sistemas sociais tem-se um determinado plexo de decisões que formam interações. Os sistemas de interações são comunicações que possuem determinada estabilidade e envolvem diferentes organizações e/ ou pessoas. Forma-se um sistema de interação quando a comunicação é reflexiva, isto é, quando a comunicação é tomada por um processo de tematização. Comunica-se e sabe-se do que se está comunicando.

Assim, a forma de observação escolhida pode ser fundamentada nos estudos de Reck (2018, p. 59), que define organização política como o “sistema que opera com comunicações do tipo jurídico, acoplando, sob um símbolo de unidade, processos, decisões e órgãos” e este sistema visa “gerar outras comunicações jurídicas, com a função de gerar decisões vinculantes a toda comunidade”.

Neste contexto, as operações urbanas consorciadas podem se caracterizadas como organizações políticas, pois apresentam-se como sistemas interacionais que se estruturam a partir de uma linguagem jurídica para tomada de decisões políticas. Segundo Reck (2018, p. 57) “a organização tem a função de produzir decisões vinculantes para toda a comunidade, mas a rede formata em volta dessa função é, precisamente, formatada de comunicações jurídicas”, sendo assim, a decisão coletivamente vinculante da política e os programas do direito são equivalentes funcionais que geram sentidos simultâneos em cada um dos sistemas, seja no formato de norma para o direito e na forma de decisão para a política.

A primeira forma de observação, descrita como a), permite visualizar como as operações urbanas consorciadas apresentam-se como uma organização política que permite uma comunicação e um enlace entre o sistema da política e o sistema do direito, em uma singular rede de normas e decisões, que vinculam toda a comunidade e buscam estabilizar expectativa normativas. Nesse sentido, Reck (2018, p. 58) explica que “as organizações políticas, precisamente, operam com comunicações do tipo jurídico com a função de gerar decisões vinculantes para toda a sociedade”. Através dessa forma de observação será possível traçar perspectivas que ajudam a elucidar qual é o direito fundamental que baliza as operações urbanas consorciadas, questões sobre sua competência, órgãos, agentes e redes envolvidas na tomada de decisão.

A forma de observação b) tem como função a possibilidade de esclarecer se operação urbana consorciada, a partir de suas normas e decisões, competência e rede ações, entre outros, alcançou seus objetivos, que são a modificação estrutural e urbanística de um território delimitado, com a melhoria de seus aspectos ambientais e sociais. Tem como função avaliar a efetividade da decisões políticas e normas jurídicas.

Assim, pode-se dizer que observar as operações urbanas na perspectiva sistêmica, aponta para as seguintes particularidades: o conceito e o regime jurídico da operação consorciada são descrições do sistema jurídico; a operação consorciada tem fortes interações sociais com outros sistemas sociais, como a economia; as operações consorciadas envolvem sistemas que possuem uma dimensão físico-espacial, que é a cidade; o Município e a empresa são sistemas organizacionais; os sistemas organizacionais decidem conforme determinados critérios; a relação entre as decisões dos diferentes sistemas organizacionais em forma de operação consorciada forma um sistema interacional; o sistema interacional criado tem determinados critérios e variáveis, com um determinado tempo de duração; o sistema interacional criado possui relações com o sistema parcial do Direito; realizar o controle social é analisar as decisões das organizações que acontecem neste sistema interacional e eventualmente substituí-las.

Antes de aprofundar o controle social em específico, se faz necessário delimitar o que se entende por controle, com destaque aos seus fundamentos jurídicos, já indicando se há limites quanto ao procedimento e ao conteúdo que possam ser identificáveis na programação do direito para as operações urbanas consorciadas.

2. Fundamentos Jurídicos para o Controle e Participação nas Operações Urbanas Consorciadas

Verificado o conceito de operações urbanas consorciadas a partir da teoria jurídica e apontada uma forma de observação na perspectiva sistêmica, o presente tópico é centrado em dois objetivos: indicar o que se entende por controle neste estudo; e identificar, na programação do direito, possíveis parâmetros para limitar e conduzir o controle social das operações urbanas consorciadas.

Um ponto de partida para esta explicação, consiste em situar o controle para além de sua visão clássica de limitação do poder do Estado. Neste sentido, são válidas as explicações de Pereira (2010, p. 31) ao afirmar que o controle normalmente está relacionado de forma exclusiva aos direitos de primeira dimensão (onde estruturas estatais são criadas para limitar o poder estatal, ou ainda, garantir os limites, impostos pelas leis as liberdades individuais). Na percepção do autor, o controle também deve ser observado e relacionado à direitos de outras dimensões, porque seu exercício ocorre de maneira interligada e não isolada. 5

Desta forma, é necessário dar um conceito mais abrangente ao termo, para além da visão tradicional de controle, que visa regrar a impossibilidade de ação estatal em decorrência da liberdade do indivíduo. O contexto constitucional contemporâneo do Brasil, que conta com disposições acerca da política urbana, onde estão previstas ações positivas do estado, a serem realizadas através da na formulação e implementação de políticas públicas necessitam estar presentes para definir-se o que se entende por controle nesta pesquisa.

Bucci (2006, p. 15-16), ao fazer reflexões sobre o direito administrativo, que podem valer para entender por que o controle não deve ser observado somente como uma forma de limitar o poder do Estado, explica que a concepção meramente liberal e não intervencionista, pode apresentar-se como problema, pois “a dinâmica da administração é distinta da dinâmica do legislador” destacando que “aquele que faz a lei não teria condições de prever tudo, todos os atos necessários para a realização de um determinado fim” e que isso competiria ao administrador, que observado somente a partir da lógica limitadora do controle, pode não conseguir cumprir as atribuições a ele conferidas pela Constituição.

Atenta as limitações do controle tradicional, a proposta formulada por Pereira (2010, p. 32-34) envolve dois enfoques, aos quais denomina de “dualidade democrática”. Tal conceito toma como base duas funções: de legitimação (1) – ligada a soberania popular e considerada a dimensão fundante, e refere-se “a titulação e a formação do poder” - e a de controle (2) que visa “criar anteparos à prática desviante” do poder dado pela legitimação, considerada dimensão de garantia, que visará corrigir o desempenho do exercício do poder, quando equivocado. A relação entre ambas não é estanque, mas dinâmica vez quer “realizam-se concomitantemente” e variam apenas quanto aos “níveis de intensidade e prioridade”.

Complementando as ideias de Pereira, Bucci (2006, p. 17-18) afirma que valer-se somente do sentido negativo do controle, com o fim de limitar a ação do administrador, sem ter atenção para a atuação do Poder Público na consecução dos objetivos fundamentais, contribui na configuração de “uma distância entre o arcabouço normativo formal” e “as demandas de regulamentação e regulação das relações entre administração e cidadãos”, o que reforça que o controle deva ser observado nestes dois contextos.

Fechando por hora as contribuições de Pereira (2010, p. 97), destaca-se que na visão do autor os termos controlar e limitar, tem significados distintos, afirmando que “palavras como contenção, restrição e limitação formam apenas parte do amplo arsenal funcional e compreensivo do fenômeno que também se abre a expressões como promover, conduzir, dirigir, estimular, etc”. Neste sentido, controlar é considerado “uma atividade em princípio neutra, mas funcionalmente aberta” que não deve ser reduzida nem a exclusivamente para dimensões procedimentalistas e nem estritamente substancialistas, devendo ser aberta para ambas, assim como a outros “modelos entrelaçados”.

O controle será observado neste estudo a partir do elemento fundante, relacionado a legitimidade, que advém do modelo democrático; e de garantia, no sentido de vincular a ação estatal aos preceitos constitucionais, sejam eles procedimentais ou substantivos. Trazendo estas reflexões para as operações urbanas consorciadas, se faz necessário garantir não só que elas sejam objeto de lei e não de decreto ou que tenham seguido todos os procedimentos necessários, incluindo-se a participação social, entre outros requisitos. Torna-se imprescindível garantir-se que o seu conteúdo dialogue a programação do direito, em especial constitucional, evitando-se um desvirtuamento do instrumento.

Há outros elementos que merecem maiores esclarecimentos nesta pretensão de trazer fundamentos jurídicos para o controle. Uma delas é diz respeito ao seu alcance. Se faz necessário esclarecer que não se trata de mera participação ou de influência, mas de algo mais significativo, com poder de alterar os rumos de uma decisão. Para Bitencourt e Reck (2018, p. 21) “o controle pode ser visto como qualquer possibilidade de influência em uma decisão”, destacando que Luhmann relaciona tal a influência com a credibilidade do portador da comunicação “que faz valer sua informação a despeito da excelência dos argumentos”, mesmo que no contexto democrático. Apesar referir a importância da influência do comunicador no contexto do controle, os autores afirmam que ele, de fato, somente ocorrerá quando existir a “possibilidade de substituição de uma decisão por outra”, do contrário, se trata de mera participação.

Assim, além dos elementos advindos a partir das reflexões de Pereira (2010) e Bucci (2006), deve se ter claro as ideias de Bitencourt e Reck (2018) que afirmam que somente haverá controle, quando existir a possiblidade de substituição de decisão por outra decisão, do contrário, se tratará de participação. Sendo assim, controlar significa, a partir da legitimidade dada pela dimensão fundante, a possiblidade de um órgão/estrutura/coletividade substituir uma decisão por outra, sempre devendo ser respeitados os limites de garantia, tanto na decisão originária, quanto no exercício do controle, que substituiu uma decisão por outra decisão.

Feitas estas ponderações, que apontam uma distinção seguida por este trabalho quanto se fala em controle e participação, passa-se a observar a programação do direito para verificar se há elementos procedimentais e substanciais que sirvam como parâmetros para limitar e conduzir o controle das operações urbanas consorciadas no Brasil.

De acordo com Alfonsin (2006, p. 290) há uma grande margem de discricionariedade do gestor público municipal para dispor sobre as operações urbanas consorciadas, sendo que o instrumento “encontra limite apenas na regra geral de Direito Público que impõe o atendimento ao interesse público como a finalidade de todo e qualquer ato administrativo”. Como interesse público, a autora considera seis elementos: a conformação as diretrizes do Estatuto da Cidade; a aprovação de lei municipal; o respeito ao conteúdo exemplificativo previsto no art. 32, §2º do Estatuto da Cidade6; atendimento ao conteúdo mínimo previsto no art. 33 do mesmo diploma legal7; vinculação do gestor municipal a lei específica que regra o plano; aplicação dos valores arrecadados pela operação na própria operação.

Pela proposta da autora, verifica-se que a programação a ser observada, garantindo-se parâmetros que limitam e conduzam as ações passiveis de controle social das operações urbanas consorciadas é muito ampla. Além das indicações da autora, não há como deixar de fora o conteúdo do art. 182 caput da Constituição que prevê os objetivos fundamentais da política urbana no Brasil. Uma operação urbana que não tenha clareza quanto a ordenação do “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade” e da garantia do bem-estar dos habitantes do município8, restará claramente em desacordo com a dimensão de garantia do controle, pois o teor deste dispositivo é peça chave da política urbana, e de acordo com Vanin (2015, p. 93) “orientará qualquer construção desta espécie a ser desenvolvida no território nacional”.

Tentando organizar as ideias advindas da teoria e da programação do direito, pode-se dizer que o controle das operações urbanas terá como parâmetros procedimentais mínimos: a criação de uma lei municipal, que, por envolver o plano diretor, deverá contar com participação social, ao menos no formato de audiência pública durante o seu processo legislativo; a necessidade de uma estrutura de participação social na operação; diversos processos e procedimentos administrativos que permitam a aprovação de projetos arquitetônicos, parcelamento de solo, venda de potencial construtivo, e a relação com os cidadãos afetados e interessados na operação urbana consorciada.

Como parâmetros substanciais mínimos, está o conteúdo dos objetivos constitucionais (art. 182 da CF) e as diretrizes da política urbana previstos no Estatuto da Cidade (incisos do art. 2º) assim como, o conteúdo próprio do instrumento, previsto no art. 32 ao 34-A, da norma geral. Percebe-se que há um grande rol de parametrização procedimental e substantiva na programação do direito, que pode servir como referência para limitar e conduzir a ação estatal, cumprindo-se as funções fundante e de garantia que balizam o controle.

Apesar da constatação da existência de parâmetros procedimentais e substanciais para o controle da operações urbanas consorciadas, se faz necessário um estudo mais aprofundado para indicar se as normas relacionadas ao controle social em específico, são de fato de controle, permitindo a substituição de uma decisão por outra decisão ou de mera participação social.

Antes de avaliar a potencialidade dos mecanismos de controle/participação social em específico, entende-se relevante destacar a importância destes instrumentos nas Operações Urbanas Consorciadas, visto que se trata de um modelo de urbanização de modelo global, que tende a influenciar a esfera local, como será apresentado no tópico a seguir.

3. Desafios do Controle Social da Operações Urbanas Consorciadas: Globalização e Identidades Locais

Ao lado dos fundamentos do controle e da proposta de distinção frente a participação, outro fator relevante é a relação do tema com o fenômeno globalização. A ideia de desenvolver operações urbanas está ligada a reestruturação de espaços locais e inclusão dos municípios em redes internacionais das cidades, ação que que coloca a possibilidade de perda de identidades locais no centro do debate.

Os documentos internacionais tendem a induzir para um modelo ideal, de como a cidade deveria ser constituída, entretanto, tais prescrições, podem não convergir com os anseios da população local, gerando uma perda de influência na participação, que comprometeria um hipotético controle social. Segundo Compans (2009, p. 152) essa influência será mais ou menos significativa, dependendo da estrutura internacional que se relacionará com os governos locais, e isso depende tanto da forma de ação das agências internacionais, quanto do comportamento dos governos que receberão estas orientações.

Borja e Castells (1997, p. 135) explicam que “el proceso de globalización y la informacionalización, distribución y gestión, modifican profundamente la estructura espacial e social de las ciudades en todo el planeta” destacando que este processo pode ser observado como uma oportunidade de “invertir el proceso de deterioro de la calidad de vida en las ciudades”, corroborando com a ideia de que a existência de indicadores, parâmetros e fluxos de comunicação no sentido global para o local podem ser positivos ou negativos. Tal fato reforça a necessidade e a atenção a ser dada aos padrões de participação social a serem desenvolvidos nas operações urbanas consorciadas.

Apesar desta constatação, de que os documentos internacionais podem trazer consigo aspectos positivos para o desenvolvimento das cidades, e que, seu alcance dependerá do comportamento dos atores locais na observação destes documentos, Oliveira (2009, p. 215-216) destaca os documentos referenciais do modelo de cidade global tem incorporado no seus textos demandas locais, inclusive de diferentes movimentos sociais de países mais periféricos, entretanto, o seu enfoque despolitizado redunda em uma minimização dos conflitos sociais característicos de cada localidade. Este fato acaba por resultar em uma perda da visão crítica sobre os modelos de cooperação público privada para o desenvolvimento urbano, assim como, redução nas “possiblidades de controle público sobre a administração local”.

Os autores Lugno e Smolka (2007, p. 304) reconhecem que a incerteza dos grandes projetos urbanos, em especial a ocorrência de resultados imprevistos, tendem a levar a frustração da população em geral. Frente a isso, torna-se indispensável “un equilíbrio adecuado entre controles efectivos ex ante (formulación, negociación y diseño de los GPU) y ex post (implementación, gestión, explotación y efectos) sobre los usos e derecho del suelo”. Assim, na observação dos autores, o controle dever ocorrer de maneira permanente, desde a concepção de uma operação urbana consorciada, até a sua conclusão, visto que o quadro latino americano tende a apresentar “una diferencia abismal entre las promesas originales y los verdadeiros resultados”.

Esta concepção de Lugno e Smolka (2007) remete a forma de observação da operação urbana consorciada como organização política apresentada no primeiro tópico, que envolvia a formação de uma unidade procedimental de tomada de decisão e a materialização das decisões promovidas por esta unidade9, vez que torna-se importante a participação e um possível controle nas duas fases que se relacionam, em especial, pelo problema da diferença entre a promessa e os resultados, como apontado pelos autores.

A distinção entre os resultados prometidos e os resultados entregues nas operações urbanas consorciadas está relacionado, segundo as observações de Oliveira (2009, p. 216), com a construção de “consensos fictícios, fundando no ocultamento de conflitos e na despolitização das questões sociais” vez que as estratégias balizadas em documentos internacionais “procuram amenizar a face dura da competição”, que preocupa-se na “criação das condições para atração do investimento” e não com o controle, a regulamentação, a fiscalização da gestão, entre outros elementos essenciais do controle social.

A indicação de que uma agenda baseada majoritariamente na competitividade, além de diminuir as possibilidades de controle e participação social, que passa a ser vista como entrave, tende a relacionar-se diretamente com o problema da flexibilização das regras e repasse de atividades públicas ao setor privado, que por sua vez, também não terão um controle social de mesma intensidade. Lugno e Smolka (2007, p. 304-305) explicam o sistema de gestão dos grandes projetos deve ser pública e “debe apoyarse en la mayor participación social posible” pois são estas “intervenciones urbanas que aportan la mayor contribución al desarrollo de la ciudad” tendo o setor privado, papel fundamental para o financiamento e a execução dos projetos, mas não para sua gestão.

Uma reflexão interessante para compreender a relação entre as cidades contemporâneas no contexto da globalização e a perda de identidades locais pela imposição das prescrições dos documentos internacionais, o que afeta a questão do controle social são os apontamentos que Borja e Muxí (2009, p. 11-12) fazem sobre a evolução do urbanismo na Espanha, que passou por uma fase de urbanismo cidadão, caracterizado pelas definições a nível local; uma segunda fase de urbanismo de projetos, com destaque a atuação promotora dos governos locais, com a proliferação dos grandes projetos, que tinham a gerência do poder público; e a terceira etapa, onde pode ser observados um efeito perverso do “êxito urbano”, onde as cidades passaram a ser vistas somente como um “un conjunto de retales a rescatar, espacios de la ciudad que ofrecen una oportunidad de una inversión con alta rentabilidad inmediata”.

Neste sentido, Borja e Muxí (2009, p. 13-14) destacam que neste longo período de experiências espanholas “las práticas más positivas han dado em aquellas ciudades que apostaron por su singularidad específica lejos de buscar ser, la simpleza de la ciudad global”. Os autores entendem que o modelo de cidade global, inserido em uma rede internacional, deve ser observado com atenção aos problemas dele decorrente, na perspectiva do urbanismo cidadão, com a compreensão dos seus erros, acertos, dúvidas, reforçando a importância da participação.

Tal ideia é aprofundada por Borja (2012, p. 39-40) em obra mais recente onde é exposta a oposição entre o “urbanismo globalizado” e o “urbanismo ciudadano”, o primeiro caracterizado por uma urbanização difusa e descontinua, com a criação de produtos urbanos; já o segundo, com enfoque no espaço público, construção de centralidades, com misturas socais e funcionais, que aposta no “perfil indentitario de lo urbano, atendendo a la morfolgía del lugar, a la calidad del entorno”. A construção de um urbanismo cidadão, que promova as identidades locais, passa, segundo Borja (2012, p. 45) por um reforço nas estruturas de participação local, como contrapeso aos âmbitos globais, reconhecendo que tal idealização pode ser ingênua na atual conjuntura, mas que ela traz consigo elementos interessantes:

Una democracia territorial de proximidad, regional-local, fuerte, podría ser un contrapeso importante y un mecanismo de participación democrática en los ámbitos globales. Pero, sería muy ingenuo idealizar la actual democracia local y regional. Es cierto que tiene a su favor un conjunto de factores suficientemente reconocidos como son: a)la proximidad a la población en la gestión; b)la mayor capacidad de integrar las políticas públicas; c)la representatividad inmediata y directa de los gobiernos locales; d)la cultura cívica que considera iguales a todos los ciudadanos, e)la conciencia de identidad que los actuales procesos globalizadores han reforzado, como afirmación frente a la homogeneización.

Desta forma, fica claro que a atuação da sociedade demonstra-se como algo essencial como forma de adequar as diretrizes globais para as cidades, aos desafios que identificam cada Município. Ainda que o alcance da participação possa ser altamente mitigada, em decorrência da força do fenômeno da globalização, sua influência traz elementos positivos, em especial, os descritos por Borja na citação literal acima disposta.

Neste contexto, conforme aduzido por Vanin (2015, p. 38), ao relacionar globalização e política urbana brasileira, “os documentos internacionais, que são parâmetros globais de planejamento, devem ser observados, aliados a instrumentos de participação da população na construção do projeto de cidade”, que terão, entre outras finalidades, a função de garantir que não ocorra a perda das identidades locais na implementação de operações urbanas consorciadas.

Neste âmbito, há basicamente três mecanismos previstos na programação das operações urbanas consorciadas no contexto normativo urbanístico brasileiro: as audiências públicas; os conselhos de desenvolvimento urbano; e, o controle da operação, como participação da sociedade civil, previsto no art. 33, VII do Estatuto da Cidade. Se observado para além deste contexto, as operações urbanas estarão subordinadas a uma série de outros instrumentos: ação civil pública; estruturas de acesso a informação; audiência pública e controle orçamentário, atuação da sociedade civil, entre outros. Neste trabalho o enfoque serão os três modelos relacionados inicialmente, assim como, uma possibilidade de ação de controle promovida no entorno, através dos movimentos sociais.

Fica evidente que o urbanismo realizado através de grandes projetos, por ser um modelo característico da globalização, tende a direcionar a política urbana em um sentido de padrão único, com perda de identidade locais, sendo a participação social, através de seus mais diferentes mecanismos, uma alternativa para mitigar este processo. A dúvida que persiste, e será analisada no tópico final, é se tais mecanismos tem poder de substituir decisões, ou se tratam apenas de participação.

Outro ponto que merece destaque, já em conclusões finais do tópico, é que a observância de documentos internacionais acaba por ofuscar a existência de conflitos na cidade, diminuindo a visão crítica acerca da utilização destes instrumentos. Esta perda de força dos discursos acerca das discrepâncias sociais em âmbito local, que hipoteticamente já estão inseridos nos modelos internacionais, acaba por diminuir a intensidade e influência da participação, que tende a não se opor a diretrizes vistas como legítimas, visto que decorrem de um processo hipoteticamente desvinculado de questões ideológicas e que recebe indicações, em maior ou menor escala, originadas de movimentos sociais.

Visto o contexto onde está inserida a participação social das operações urbanas consorciadas, passa-se agora a compreender seus fundamentos e quais os mecanismos estão previstos na legislação, assim como, como se dá a atuação dos movimentos sociais, em especial para responder ao questionamento acerca da possiblidade de substituição de decisão.

4. Controle Social nas Operações Urbanas Consorciadas: Participação e Substituição de Decisão

Como visto até aqui, o controle social é usualmente utilizado para referir-se a participação dos cidadãos nas políticas públicas, entretanto, neste trabalho, optou-se por uma distinção entre o termos: controle, tem como resultado a substituição de uma decisão, enquanto participação, esta relacionada com a possibilidade de influência. Ambos tratam de mecanismos da denominada democracia participativa, porém, com efeitos distintos. Para aferir tal distinção nos formatos, se faz necessário observar os mecanismos em concreto, como se pretende neste tópico final.

Em relação a política urbana, o exercício da democracia direta recebe a denominação de gestão democrática das cidades e visa elencar os diferentes instrumentos que assegurem que a definição dos seus principais temas seja debatido com a população. A programação do Estatuto da Cidade prevê a gestão democrática como uma de suas diretrizes (art. 2º, II), além de tratar do tema em capítulo específico (art. 43 a 45) onde são elencados alguns instrumentos.10

Antes de compreender melhor os instrumentos que irão balizar a participação social das operações urbanas consorciadas, entende-se relevante apontar como o tema é visto pela teoria em geral, que tem se valido do debate de Rawls (substancial) e Habermas (procedimental), e que, a partir deles, construído outras proposições alternativas, para caracterizar a atividade de democracia direta. O modelo substancial, grosso modo, consiste na ideia de que há um conteúdo mínimo que deve ser respeitado e limita o alcance da participação social. A ideia tem origem no conceito de razão pública de Rawls (2007, p. 145-146) que tem como base a ideia de “sociedade democrática constitucionalmente ordenada” que tende a garantir que “teorias abrangentes irreconciliáveis” possam ser aceitas ao mesmo tempo por toda a população, sem serem questionadas. Ou seja, que há parâmetros substanciais, que limitam as definições a serem tomadas pela participação social, quando da sua relação com o Estado. 11

Por outro lado, Habermas (2003, p. 26) vale-se da ideia de razão prática, a qual questiona o problema da neutralidade no processo democrático, apontando que a definição do conteúdo “assume feições pragmáticas” visto que serão as suas forma de institucionalização que irão revelam “o grau de realização do sistema dos direitos” e sendo assim a “compreensão procedimental da democracia não pode ficar acima nem abaixo desse conteúdo normativo do Estado democrático de direito”, o que contraria a posição substancialista.

Refletindo sobre as ideias de Rawls e Habermas, o autor Neto (2006, p. 131-32) destaca que em Habermas, o Estado é abrangido pelo “consenso procedimental” que não coincide com a ideia de “consenso sobreposto” de Rawls, “embora ambos autores persigam a formulação de normas a partir de um ponto de vista moral”. Ambos são reconstrutivistas, entretanto, Habermas considera o modelo substantivo como “incapaz de levar a efeito tal propósito porque que reduz excessivamente a abrangência da deliberação democrática” e afirma que os limites da deliberação somente se dão em garantia a sua “continuidade e integridade”.

Valendo-se das ideias dos dois autores, Niño (1996, p. 190-198) propõe uma proposta denominada de construtivismo epistemológico, na qual, segundo ele, restaria resolvida “esta tensión entre el proceso y el contenido” contribuindo com um equilíbrio, que evita os extremos “de la reflexión individual de Rawls y el populismo de Habermas”. No seu entendimento, o consenso tende a ser “alcanzado después de un ejercicio de discusión colectiva debe ser de algún modo confiable en el proceso de conocimiento de asuntos morales”.12

No contexto deste trabalho, que objetiva neste ponto, observar se há controle social nas operações urbanas consorciadas, tais indicações são pertinentes pois aduzem para reflexões quanto ao alcance e o potencial de uma participação social para além da ideia tradicional de democracia representativa. É notório que tanto procedimento, quanto substância são parâmetros importantes, podendo servir como pontos de observação acerca da operacionalização e consequência do controle social. Como já enfrentado no tópico 2, entende-se que o limite e o direcionamento substancial do controle das operações urbanas, o que vale também para o controle social em específico, estão nos objetivos fundamentais e diretrizes da política urbana, assim como nas programação específica prevista no Estatuto da Cidade.

Os limites procedimentais terão relação com os mecanismos previstos para este fim, cuja hipótese apresentada é de que eles sirvam mais para participação do que para substituição de decisão, que é como o controle é observado neste estudo. Nesse sentido, depreende-se a existência de três estruturas de controle específicos no contexto do direito e do urbanismo: as audiências públicas; os conselhos de desenvolvimento urbano e o controle da operação, com participação da sociedade civil, previsto no art. 33, VII do Estatuto da Cidade.

Além dos espaços que integram a administração pública, pode-se observar estruturas não governamentais, classificados maneira genérica como movimentos sociais. Um exemplo é a atuação dos observatórios urbanos, que tem uma relação muito próxima com os movimentos de reforma urbana, e que, conforme descreve Saule Junior (2006, p. 228-229) surgiram e foram concebidos por entender que “a democratização da gestão pública não ocorre apenas por iniciativa de governo” sendo necessário “criar mecanismos que fortaleçam os atores sociais para o controle das políticas públicas”.

A atuação dos movimentos sociais frente ao Direito pode ser observada, na perspectiva sistêmica, de duas maneiras, conforme descreve o Campilongo (2012, p. 103-107) movimentos de integração ou de protesto e movimentos de desintegração. Quanto aos primeiros, o autor aponta sua postura de dizer não aos sistemas parciais, contestar suas operações, não se submeter aos seus códigos e buscar o idealismo e a utopia de “uma sociedade igualitária e equilibrada” negando a diferenciação funcional. Em relação ao sistema do direito, os movimentos sociais com estes perfil, exigem que ele seja não só o guardião do direito, mas da sociedade como um todo e fazem isso ao sobrepor direito, economia e política com apelos imensos a uma integração que força conexões transversais entre os sistemas sociais.

Isto ocorre quando os movimentos sociais urbanos voltam-se contra decisões do sistema do direito que causam, por exemplo, despejo e deslocamento forçado de população, ainda que cumpridos todos os requisitos processuais e jurídicos, o que é comum no implemento de operações urbanas consorciadas. O enfrentamento desta situação se dá com a utilização de medidas inovadoras, em ações que ganham visibilidade pela cobertura da mídia, tentando fazer frente, por outros meios, as definições do sistema do direito. Saule Junior (2006, p. 240-241) retrata uma série de casos em que tais alternativas foram utilizadas, no intuito de proteger a população vulnerável frente a decisões judiciais que não sobrepõe o direito à moradia ao direito de propriedade.

A outra alternativa de atuação dos movimentos sociais frente ao direito, que poderia configurar-se como controle social, é denominada por Campilongo (2012, p. 107-108) como movimento de desintegração, visto que, “introduzem temas que promovem instabilidades necessárias e processáveis pelo código binário do direito”, valendo-se do próprio sistema jurídico, para confirmar se suas pretensões, convertendo conflitos em procedimentos. Este tipo de movimento respeita os limites e as margens de escolha de cada sistema funcional.

Nos movimentos sociais pela reforma urbana também é possível identificar este método. Saule Junior (2006a, p. 14-18) explica que tanto a construção do texto da Constituição Federal, quanto do Estatuto da Cidade, decorrem da ação dos movimentos sociais. No primeiro caso, com a apresentação da emenda popular da reforma urbana, e no segundo, a partir dos debates do fórum nacional de reforma urbana. Outro exemplo de atuação via sistema do direito, se deu pela associação de moradores do complexo Jardim Edite, no município de São Paulo, que tiveram sucesso na ação judicial proposta frente a tentativa de remoção dos moradores em decorrência da operação urbana consorciada Agua Espraiada, como relatado por Abascal e Nohara (2018, p. 1615).

Apesar da inegável importância destas organizações não estatais, que podem utilizar-se ou não dos mecanismos do direito para o alcance de suas pretensões, fica claro que elas não possuem poder de substituir uma decisão, mas sim, protestar contra elas, ou ainda, buscar a tutelas de alguém que tenha o poder de substituir uma decisão por outra decisão, podendo ser considerados somente como espaços de participação e influência, que somente modificarão os rumos das decisões, por ações de terceiros.

Além das estruturas não estatais, existem espaços institucionais que possibilitam a participação através de procedimentos específicos: audiências públicas; os conselhos de desenvolvimento urbano e o controle da operação, com participação da sociedade civil, previsto no art. 33, VII do Estatuto da Cidade. O primeiro ocorre quando da criação da lei específica regulamentará a operação urbana consorciada. Embora, como já visto, a operação urbana apresente parâmetros de construção diferentes daqueles gerais previstos para o Plano Diretor, ela precisa estar atrelada ao instrumento básico de planejamento urbano do munícipio, pois representará, ao fim e ao cabo, uma modificação de suas indicações, tendo em vista que será criado um novo zoneamento previsto para a área abrangida pela operação.

Assim, a lei que cria a operação urbana, deve seguir as peculiaridades do processo legislativo descrito para o plano diretor, no qual está inserida a necessidade de promover-se uma audiência pública. Esta obrigação é vista por Alochio (2010, p. 237-241) como um ato-condição “sem o qual, uma fase posterior não se pode desencadear” e sendo assim, sem a sua ocorrência, o projeto que modifica o Plano Diretor estaria viciado. Apesar desta constatação, o autor alerta que “tais audiências não tem o poder modificativo ou de veto, sendo tão somente para formulação de uma apresentação e discussão” não importando o conteúdo dos debates e não vinculando a observância destes debates nas decisões estatais, o que não torna o instrumento um mecanismo de controle, e sim, de participação.

O debate acerca dos conselhos de desenvolvimento urbano tem como ponto chave exatamente o seu caráter consultivo ou deliberativo. O Estatuto da Cidade não previu um poder decisório do conselho, nem mesmo, suas condições estruturais mínimas, o que resulta na impossibilidade de que suas decisões tenham o poder de alterar as decisões por ele analisadas, assim como, diminuem seu poder de influência. Neste contexto Vanin (2012, p. 140) explica que ao lado do ideal da deliberação, que hipoteticamente permitiria a substituição de uma decisão por outra, seriam “indispensáveis condições estruturais e técnico-burocráticas” de funcionamento conselho, como o acesso a dados científicos e “uma correta percepção dos anseios sociais” que possibilitassem a “qualidade necessária na tomada de decisões”.

Quanto ao controle da operação propriamente dito, o Estatuto da Cidade orienta que ele deve contar com a participação da sociedade civil, e segundo Alfonsin (2006, p. 292), tal mecanismo tem como função “não apenas permitir a participação no debate dos vários atores sociais envolvidos na operação” mas pretende “dar publicidade e transparência ao conjunto da sociedade acerca da implantação de um instrumento que não apenas muda as regras do jogo, mas também mobiliza recursos” sendo indispensável o acompanhamento social quanto ao efetivo interesse público de qualquer ato do governo. Pelas reflexões da autora, verifica-se que o mecanismo é voltado também a participação e a publicidade dos atos governamentais, sem a possiblidade de modificar decisões tomadas.

Assim, verifica-se que os mecanismos previstos para as operações urbanas consorciadas, consubstanciam-se muito mais em espaços de participação do que, mecanismos de controle, visto que o tema provoca uma atividade social de envolvimento da população em seus debates, de diferentes maneiras, mas apesar destas grande plêiade de espaços e instrumentos, nenhum apresenta-se como alternativa de substituir uma decisão por outra decisão.

Considerações Finais

Tendo em vista o caminho até aqui traçado, apresenta-se as seguintes conclusões articuladas, decorrente da observação do controle social das operações urbanas consorciadas com a contribuição da teoria dos sistemas:

- O conceito de operações urbanas consorciadas previsto na programação do direito, observado a partir das descrições da teoria jurídica, permitem afirmar que uma das formas de visualizar o instrumento é a partir da interação simultânea e permanente de duas operações: a) a formação de uma unidade procedimental de tomada de decisão, sob a coordenação do poder público municipal, que teve ter presente a cooperação público e privada e a participação social; b) a materialização das decisões promovidas pela unidade procedimental em um conjunto de intervenções e medidas aptas a modificar urbanística e estruturalmente uma área delimitada, com melhorias de ordem social e ambiental.

- O controle, neste estudo, é observado a partir de duas dimensões, uma fundante, relacionada a legitimidade democrática, e outra de garantia, que vincula o seu exercício aos preceitos constitucionais e a programação do direito, não se reduzindo somente a limitação do agir do poder público, pois compreende um direcionamento desta ação governamental de acordo com os direitos fundamentais.

- Embora o controle social seja usualmente utilizado para referir-se a participação dos cidadãos nas políticas públicas, a partir da construção teórica desenvolvida há uma distinção entre o termos: o controle, tem como resultado a substituição de uma decisão, enquanto participação, relaciona-se com a possibilidade de influência.

- Observância de parâmetros advindos de documentos multilaterais na implantação das operações urbanas consorciadas, tem na democracia direta, uma alternativa para mitigar o seu alcance, quando em confronto com as identidades locais.

- Embora existam espaços com esta finalidade na programação do direito brasileiro que regula as operações urbanas, como as audiências públicas no processo legislativo, os conselhos de desenvolvimento urbano e o controle específico do instrumento, assim como, uma atuação fora da estrutura do Estado dos movimentos sociais, nenhum é apto a substituir uma decisão por outra decisão, sendo assim, configurando-se com espaços de participação, que provocam influência.

Respondendo ao problema, a teoria dos sistemas contribui com a observação do controle social das operações urbanas consorciada ao possibilitar a construção de um novo conceito, a partir do qual podem ser desenvolvidas reflexões sobre as possibilidades de atuação direta da população na construção deste instrumento e auxiliando na formação de uma distinção entre participação e o controle, que permite uma a análise de potencialidade de ação dos movimentos sociais e de cada um dos mecanismos de democracia direta.

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1 Doutorando em Direito pela UNISC, com Bolsa do Lincoln Institute, de Cambridge, EUA e Aprofundamento de Pesquisa junto ao Grupo de Investigação em Direito Público Global, na Universidade da Corunha, Espanha. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul e Especialista em MBA Direito da Economia e da Empresa pela FGV/RJ. Atualmente é Coordenador do Curso de Direito e de Relações Internacionais do Centro Universitário da Serra Gaúcha e sócio do escritório Vanin Advogados. Email: fabio.vanin@fsg.edu.br

2 Doutor pela Mestrado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Mestre pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul. Procurador Federal. Email: janriereck@ibest.com.br

3 Conforme explicam os autores, os sistemas parciais se organizam em torno de funções; os sistemas organizacionais, em forma de uma rede de tomada de decisões; já os sistemas de interação, produzem comunicação, mas tem menos estabilidade do que os sociais, pois não possuem um código ou função perene e imutável.

4 Maleronka (2012) explica a evolução dos modelos adotados na cidade de São Paulo ao longo dos último 30 anos e situa a regulamentação do Estatuto da Cidade como um marco fundamental nestas modificações.

5 Complementado este entendimento, o autor dispõe que “toda função negativa de limitação de poder corresponde necessariamente uma função positiva de promoção de certos ideais”, aduzindo ainda que identificá-lo de uma forma “simplista com uma função limitadora esconde suas potencialidades positivas e o associa indelevelmente a uma cultura liberal, quando na verdade o controle representa um dos momentos mais centrais da afirmação jurídica de dos as modernidades” (PEREIRA, 2010. p. 31).

6 Art. 32, § 2º Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas:

I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente; III - a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas.

7 Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo: I – definição da área a ser atingida; II – programa básico de ocupação da área; III – programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; IV – finalidades da operação; V – estudo prévio de impacto de vizinhança; VI - contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do § 2o do art. 32 desta Lei; VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil; VIII - natureza dos incentivos a serem concedidos aos proprietários, usuários permanentes e investidores privados, uma vez atendido o disposto no inciso III do § 2o do art. 32 desta Lei.

8 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em https://bit.ly/1bJYlGL. Acesso em 27.06.2018. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

9 Forma de observação da operação urbana consorciada como organização política: a) a formação de uma unidade procedimental de tomada de decisão, sob a coordenação do poder público municipal, que teve ter presente a cooperação público e privada e a participação social; b) a materialização das decisões promovidas pela unidade procedimental em um conjunto de intervenções e medidas aptas a modificar urbanística e estruturalmente uma área delimitada, com melhorias de ordem social e ambiental.

10 Art. 2º, II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

11 O autor explica que a razão pública, que seria o conteúdo substancial a ser observado na participação social é determinante no Fórum Político, no qual estão inseridos juízes, governantes e candidatos, todos devendo respeitar a razão pública em maior ou menor intensidade, respectivamente. Ao lada do Fórum Político está a cultura de fundo, perante a qual a razão pública não é de observância obrigatória, entretanto, é o âmbito de conformação, onde a razão pública deve acontecer (RAWLS, 2007. p. 145-146).

12 Segundo o autor, “existen dos razones para concluir que la concepción de la democracia basada en su valor epistémico explica mejor que ninguna otra la relación entre las constituciones ideal e histórica. En primer lugar, esta visión implica una congruencia casi automática entre los derechos reconocidos por la practica constitucional y el grupo ideal de derechos, siempre que el proceso democrático real no es demasiado lejos del ideal. En segundo lugar, esta concepción provee de razones para calificar el resultado de decisiones democráticas presentes que afectan negativamente la practica constitucional, tomando en cuenta otras decisiones democráticas tomadas dentro del contexto de la misma practica” (NIÑO, 1996, p. 197).