DEMOCRACIA DELIBERATIVA E A CONSIDERAÇÃO DOS DESLOCADOS AMBIENTAIS: UMA ANÁLISE a partir DO ROMPIMENTO DA barragem de fundão EM MARIANA/MG

DELIBERATIVE DEMOCRACY AND THE CONSIDERATION OF ENVIRONMENTAL DISPLACEMENT: AN ANALYSIS FROM THE BREAKING OF THE DAM OF FUNDÃO IN MARIANA/MG

Leonardo da Rocha de Souza1

Carolina Paaz2

Recebido: 20/09/2018

Aprovado: 10/11/2018

 

RESUMO: O desastre em Mariana/MG é considerado o maior desastre ambiental do Brasil, com 19 (dezenove) vítimas fatais, centenas de animais mortos e uma mudança drástica na vida dos que foram atingidos direta e indiretamente pela lama contaminada, sem contar os incalculáveis impactos ambientais sobre a fauna e a flora. Considerando que a efetivação dos direitos das comunidades é imprescindível até mesmo para garantir a preservação ambiental, este artigo analisa, por meio de uma reflexão teórica da Democracia Deliberativa de Habermas, e realizando um estudo de caso, a forma como se dava a participação da comunidade de Mariana/MG nos processos que envolviam os interesses da comunidade em relação à construção das barragens e aos seus impactos, e como ocorreu essa participação após o desastre. No aspecto metodológico, este artigo adota uma concepção epistemológica hermenêutico-dialética, realizando uma pesquisa qualitativa por meio de estudo de caso.

Palavras-chave: Desastre ambiental. Consideração dos deslocados ambientais. Democracia Deliberativa. Barragem de Fundão.

ABSTRACT: The disaster in Mariana, Minas Gerais, is considered the biggest environmental disaster in Brazil, with 19 (nineteen) fatalities, hundreds of dead animals and a drastic change in the lives of those who were directly and indirectly affected by the contaminated mud, not counting the incalculable environmental impacts on fauna and flora. Considering that the realization of the rights of communities is essential even to guarantee environmental preservation, this article analyzes, through a theoretical reflection of Habermas’ Deliberative Democracy, and through a case study, the way in which the participation of the community of Mariana / MG, in the processes that involved the interests of the community, in relation to the construction of dams and their impacts, and how it occurred after the disaster. In the methodological aspect, this article adopts a hermeneutic-dialectical epistemological conception, conducting a qualitative research through a case study.

Keywords: Environmental disaster. Consideration of environmental displaced persons. Deliberative Democracy. Fundão dam.

1 INTRODUÇÃO

O sistema remanescente da Revolução Industrial objetivou, por um longo tempo, a produtividade e o crescimento econômico em detrimento do meio ambiente e da saúde da população. Algumas interferências humanas no meio ambiente foram tão drásticas que acabaram tornando-se irremediáveis e têm representado as principais causas de desequilíbrio ecológico da atualidade.

Com o “progresso” industrial desenvolvido na sociedade moderna, o homem foi rapidamente degradando o meio ambiente em busca de matéria-prima para a sua produção gerando, tanto na origem dos produtos, quanto no seu final, um verdadeiro caos ambiental.3

A conscientização sobre a importância da tutela dos recursos ambientais surgiu a partir do momento em que o homem passou a observar que a degradação dos recursos ambientais interferia diretamente na qualidade de vida humana e na manutenção da vida em todas as suas formas. Isso por que toda a degradação ambiental provoca violação dos direitos humanos, seja na expressão do bem-estar, seja em relação à economia na utilização dos recursos naturais (renováveis e não renováveis). A contaminação hídrica, atmosférica e do solo, afetam a saúde e alteram a qualidade de vida, dificultando as condições de sustento para a existência de todos, agravando densamente o desfrute do direito de viver.4

Essa constatação parece ainda mais relevante e comprovada diante de desastres ambientais, como o ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, quando rompeu a barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, no Estado de Minas Gerais. A barragem, administrada e explorada pela empresa Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, continha rejeitos de minério de ferro que se esvaíram da barragem do Fundão pelo lado esquerdo e atingiu a barragem de Santarém. O conteúdo transbordou essa segunda barragem e deslocou-se em uma avalanche incontrolável de terra, lama e água.

Esse evento tem sido considerado o maior desastre ambiental do Brasil, tendo resultado na morte de dezenove pessoas e de centenas de animais, além de ter gerado incalculáveis impactos ambientais e uma mudança drástica na vida daqueles que habitavam nas proximidades do Rio do Doce. Além das mortes de pessoas e de animais, a lama que vazou da barragem arruinou mais de 180 (cento e oitenta) edificações, arrastando automóveis, maquinários e animais, destruindo plantações, encobrindo logradouros e destruindo a história de vida de comunidades inteiras. A lama continuou deslocando-se, devastando os distritos e as localidades de Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Paracatu de Baixo, Pedras, Camargos e Campinas, ultrapassando os limites da região de Mariana, a ponto de afetar Gesteira e Barra Longa/MG, até atingir afluentes e subafluentes do Rio Doce.5

A presente pesquisa tenta compreender o que acontece em uma localidade atingida por um desastre ambiental, analisando como são feitas as deliberações nas comunidades que recebem empreendimentos que geram um elevado risco para os seus moradores. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa, com o deslocamento do pesquisador (autor deste artigo) ao local do desastre e a entrevista dos atingidos e de pessoas envolvidas na solução, o que permitiu um alto nível de detalhes sobre o local e os entrevistados. Na entrevista, foram utilizadas técnicas múltiplas, interativas e humanísticas, levando a um envolvimento com os participantes na coleta de dados, na tentativa de estabelecer credibilidade e harmonia com os participantes do estudo.6

A opção por um estudo qualitativo por meio do estudo de caso configurou-se como a mais acertada devido à necessidade de analisar a situação calamitosa nas comunidades atingidas pelo desastre, o que permitiu a utilização de múltiplas fontes de evidência. Procurou-se identificar quais os reais problemas enfrentados pelos atingidos e como ocorria a sua participação nas tomadas de decisões antes e depois do desastre. Para a realização da coleta de dados foi elaborado um roteiro com duas questões gerais, abertas e amplas, que se subdividiram em outras questões bem específicas, com perguntas sobre a vida antes do desastre e após. As perguntas serviram para guiar a pesquisa durante a entrevista, a qual foi gravada e transcrita, possibilitando a coleta de dados e o maior conhecimento sobre o tema abordado. Foram realizadas entrevistas aleatórias com os atingidos pela tragédia que aceitaram prestar informações e com outras pessoas do Município de Mariana/ MG.

Diante da riqueza do conteúdo dos dados coletados, foi possível realizar vários recortes, que se pretende dividir em alguns artigos. O enfoque deste artigo é buscar, nas entrevistas realizadas, informações a respeito da participação dos deslocados ambientais antes e depois do desastre de Mariana/MG, utilizando-se como matriz teórica a democracia deliberativa de Habermas. Em relação à metodologia científica adotada, optou-se por uma abordagem epistemológica hermenêutico-dialética, já que se pretende esclarecer o contexto da do desastre e avaliar a participação da comunidade, partindo-se para a crítica, valorizando, portanto, “processos de criação de consensos e contradições”7.

Para isso, este artigo inicia abordando a importância da democracia deliberativa proposta por Jürgen Habermas para a formação de um Direito Ambiental considerado socialmente legítimo (2). Depois, utilizando-se como dados as informações coletadas nas entrevistas com os atingidos, verifica-se como ocorria a instalação de empreendimentos na comunidade de Bento Rodrigues (Mariana/MG) e como os deslocados estavam sendo chamados a participarem após o desastre (3). A partir dessa constatação, aponta-se para a necessidade de alteração das práticas deliberativas na gestão ambiental (4), até mesmo como solução para uma melhor gestão de riscos (5).

2 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E LEGITIMIDADE DO DIREITO AMBIENTAL

Nas Conferências organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em que a questão ambiental foi discutida, algumas das recomendações finais para os dirigentes de países participantes envolvem a adoção de uma política ambiental, a formulação de mecanismos legais e a inserção de membros da sociedade no processo decisório relativo à questão ambiental para que sejam sempre viabilizados espaços para a participação da sociedade em decisões concernentes à gestão do meio ambiente.8

Qualquer política de desenvolvimento sustentável, deve levar em conta a liberdade cultural e o respeito ao desejo e à diversidade do povo envolvido:

A melhor solução é permitir que os próprios povos locais definam seu destino. Partindo-se do pressuposto de que o objetivo do governo seja aumentar o bem-estar social de todo o povo, considerado como seres humanos em toda sua complexidade, por suposição, todas as pessoas teriam o direito intrínseco e inalienável à vida, com um mínimo de dignidade. Esse mínimo de dignidade é determinado dentro do próprio contexto da sociedade local.9

Existe vínculo entre o meio ambiente e os direitos humanos, pois a degradação ambiental pode agravar o direito à alimentação, à água e à saúde, violando os direitos humanos. A proteção ambiental, dessa forma, é um direito básico de todas as pessoas e não pode ser regulado de acordo com os interesses de poucos.10

As comunidades têm a sua própria definição de direito básico, e as comunidades que participam da elaboração de leis tendem a atender aos direitos por ela considerados básicos, dentre os quais destacam-se os ambientais. Quando se amplia a participação das comunidades na construção de uma lei, o que se alcança é a preservação das culturas das comunidades envolvidas, pois permite a ‘tradução’ do que efetivamente ocorre no mundo da vida.11

Habermas sugere um modelo ideal de ação comunicativa e democracia deliberativa no qual as pessoas interagem através da linguagem, organizam-se em sociedade e procuram o consenso de forma não coercitiva, pois, segundo ele, por meio da comunicação as pessoas teriam possibilidades de chegar ao entendimento:

Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extra verbais) orientada ao entendimento. À medida em que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa.12

Não só na elaboração de leis as comunidades que são ouvidas tendem a cumprir as normas de forma eficiente, mas em qualquer tomada de decisão em que a comunidade é ouvida, tendem os conflitos a serem menores.

A busca por consenso é precedida por uma interação comunicativa com vistas às ações orientadas para o entendimento, não com uma finalidade estratégica ou de manipulação do interlocutor. Para que não ocorra essa manipulação, os participantes devem saber as intenções uns dos outros, o que se poderá verificar ao descobrir o tipo de agir que busca cada um: se baseados no agir comunicativo os agentes esperam um do outro a renúncia a qualquer intenção enganadora (permitida no agir estratégico)+.13

A razão comunicativa, o direito e a democracia são conceitos entrelaçados, já que a legitimação do direito está no processo de entendimento dos cidadãos sobre as regras de convivência por meio da ação comunicativa.14 A participação da sociedade na regulação da vida coletiva deriva da influência pública sobre processos institucionais nas tomadas de decisões, nos debates sobre leis e na produção de fluxos comunicativos em esferas públicas articuladas. Nessa perspectiva, a concepção de esfera pública, em vez de fundamentar-se em um espaço institucionalizado e concreto, está ligada muito mais às trocas e fluxos discursivos que se estabelecem entre indivíduos que buscam melhor compreender ou solucionar os problemas que os afetam.15

A razão comunicativa se dá por meio de relações intersubjetivas e na interação de sujeitos que buscam compreender um determinado fato. Das relações intersubjetivas é que se pode discernir a universalização dos interesses numa discussão. Assim, a racionalidade da comunicação exige conhecer-se o que une os membros da comunidade em um mundo objetivo reconhecido e considerado como um e o mesmo mundo por uma comunidade de sujeitos capazes de linguagem e ação. O contexto comum das vidas dos membros da comunidade permite-lhes entender-se entre si.16

É o consenso entre os interlocutores que tornará válidas as normas que regerão a comunidade e esse consenso surge com a ação comunicativa de maneira racional exercida por todos aqueles que fazem parte da comunidade, pois é da discussão que surge a validade das normas. Nessas discussões os participantes expõem as suas ideias e fazem suas argumentações, deliberando e planejando ações e normas. Portanto, a discussão serve para justificar os argumentos que forem discutidos dentro da comunidade e fazer com que tais argumentos tenham validade. 17

3 A INSTALAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS NA COMUNIDADE DE BENTO RODRIGUES (MARIANA/MG) E A DEMOCRACIA DELIBERATIVA DE HABERMAS

A democracia deliberativa de Habermas (envolvendo as discussões das comunidades com a exposição de suas ideias e argumentações) parece não ter sido percebida na comunidade atingida pelo desastre de Mariana/MG. Na pesquisa de campo realizada, alguns depoimentos demonstraram, ao contrário, que a comunidade de Bento Rodrigues não foi ouvida antes da instalação da Barragem de Fundão.

Segundo um deslocado ambiental, embora tivesse residido a vida inteira no distrito de Bento Rodrigues, não existiam reuniões que tratavam das construções das barragens:

Entrevista 11 (deslocado ambiental) Antes de construírem as barragens, alguém da empresa procurou vocês para saber a opinião sobre a construção da barragem? Não. A gente não sabia dessa empresa e nem dessa barragem, a gente ficou sabendo no dia... eles dão pra gente agora só esse “salarinho” da gente, se eles não dão um salário pra nós comer, o que a gente vai comer, porque os meus filhos tão tudo aí sem trabalhar, eu ainda tenho um filho doente, que eu que dou as coisas pra ele, sabe, agora, eu vou falar pra você, isso tudo serve de tristeza pra gente, mas, eu não, eu falo a verdade – “mãe, a senhora não falou”, “eu falo”, falo, porque se viesse o povo da Samarco, eles não me procuram muito, eles foram muito culpado, se nós estamos aqui no que estamos hoje, o culpado é eles, porque eles sabiam, passou falando na televisão, que o técnico foi lá em 2005 e avisou pra ele que a barragem tava com defeito, que eles tinham que correr atrás pra arrumar aquela barragem, se não ia dar prejuízo, ninguém deu atenção. Quando foi em 2012, ele voltou lá, chegou lá, a barragem já tava torta, deu uma curva, chamou ele falou com ele –“olha, vocês, essa barragem vai inundar (inaudível) e vocês (inaudível) um crime que vocês nunca pode pagar”. E dito e feito, em 2015, arrasou o mundo, matou, fez o que eles fizeram, se eles tivessem cuidado, não tinha dado prejuízo a ninguém. Então não existia reuniões com a comunidade? Não, nada.

Diante de situações mais complexas que envolvem a participação da comunidade, percebe-se que não havia por parte da empresa preocupação de comunicar os membros da comunidade de Mariana/MG a respeito das obras que eram feitas, conforme a fala dos deslocados ambientais que moravam no distrito que ficava logo abaixo da barragem:

Entrevista 15 (deslocado ambiental) quando você morava lá, já existia a barragem? Olha, eu moro em Bento há trinta e três anos, trinta e três, não, morei lá trinta e dois anos, que eu fiz trinta e três, quando eu nasci só existia a Barragem de Germano, a primeira que foi construída, só depois que a Samarco chegou aqui, aí a Santarém, a Barragem de Fundão, foi construída depois.

Então você já morava lá? É construída depois. Nessa época que foi construída ou depois, alguém da empresa rocurava a comunidade para saber a opinião sobre a empresa? A Barragem de Fundão fizeram, assim, muitas pessoas nem sabiam da existência dessa barragem. Agora, a Barragem de Santarém, quando foi construída, porque ficou a empresa lá que almoçava, dormia lá na comunidade, quando foi pra construir a barragem, eles só foram lá e falaram que iam construir a barragem, que tinham feito os estudos, que o Meio Ambiente tinha liberado, que tava tudo certo e que ia começar em tal data. Só isso. Aí assim foi feito, aí ficou, acho, que, se não me engano, acho que foi quatro anos pra construir a Barragem de Santarém. Aconteceram problemas na época da construção da barragem? Olha, assim, coisa, assim, de rua, tinha muita poeira, porque, na época, as ruas não eram pavimentadas, não. Assim, muitas casas assim, por causa de carro pesado, teve trinca, essas coisas, aí, esses problemas teve. A empresa ofereceu, na época da construção das barragens, uma ajuda para que vocês tivessem uma vida melhor, para melhorar o sub-distrito, alguma coisa assim? Não, assim, o que teve foram algumas pessoas que era distrito que trabalhou, na época, na empreiteira que construiu a barragem, só isso. Você sentia que vocês eram ouvidos, pela empresa ou pelo Governo? Não, era assim, eles só chegavam e comunicavam que iam fazer. Funcionava assim, eles compraram o terreno, aí fizeram as obras onde queriam, agora, não sei se foi da forma certa, hoje a gente vê que não é da forma correta, e construiu, e a gente ficou lá, a gente não tinha pra onde ir.

 

Os relatos dos entrevistados demostram claramente que não existiam discussões para a chegada do consenso do que realmente era importante para a comunidade, e, conforme restou comprovado nas entrevistas realizadas, justamente a segurança da barragem era a maior preocupação que eles tinham.

Ao ser questionado como se dava a participação da comunidade nos processos que envolviam decisões, o deslocado ambiental só soube explicar que as pautas das reuniões basicamente tratavam de amenizar o temor que os moradores dos distritos sentiam devido a um possível rompimento da barragem:

Entrevista 15 ( deslocada ambiental): E havia audiências públicas para ouvir a comunidade? Olha, tinha muitas reuniões com a comunidade e a Samarco, e todas as reuniões, a gente argumentava sobre a segurança das barragens, se tinha perigo, aí eles falavam que não, que era seguro, que a gente não precisava ter medo, que se fosse acontecer alguma coisa, eles iam ficar sabendo, porque era monitorado o tempo todo, assim, eles passavam uma segurança muito grande pra comunidade, aí as pessoas acreditavam eu estava seguro, mas eu, particularmente, sempre tive medo, sempre, porque eu falo, eu falava pras meninas, pras pessoas, se coisa que homem nunca pôs a mão destrói, imagina uma coisa que o homem vai lá e constrói, a pode garantir que é cem por cento seguro, não pode, aí, eles passavam essa segurança, até foi em 2013, que houve um boato que a Barragem do Fundão tava com trincas e tava com o risco de romper, aí, nessa época, tava um mês de chuva, essas chuvinhas fininhas, aí a gente chamou eles pra uma reunião e perguntou se era verdade que a gente tava correndo risco, porque podia estourar à noite e matar todo mundo, aí falaram que era boato de peão, que, se eles soubessem que eram os peões que tavam falando isso, dava justa causa, e que tavam seguro, que era cem por cento seguro, que, se tivesse algum problema, eles seriam os primeiros a avisar a comunidade. Aí, assim, as pessoas ficaram tranquilas. Aí, quando foi em 2014, teve outra reunião, aí eles falaram que realmente teve esse problema, só que não avisaram pra não alarmar a população. Então eu falei que, se acontecesse com aquela chuvinha, a culpa ia cair na chuva, porque tava aquela chuva constante, tanto é que assim, que Deus mostrou pra eles que nada é seguro, quando estourou tava um sol, tinha mais de mês que não caía uma gota de água lá no Bento, assim, um sol, um sol mesmo. É, é muito quente, e assim, foi Deus que estourou naquela hora, porque, se fosse... eu falo, se fosse umas seis horas da tarde...

Outro deslocado, ao explicar como se dava a sua participação nos processos que envolviam a empresa e a comunidade, só soube dizer que nas reuniões eram tratados assuntos de compra de lotes por parte da empresa:

Entrevista 01 (deslocado ambiental). Vocês eram ouvidos pela empresa? Voz Feminina-II: Eu sempre ia em reunião, nós ia lá. Às vezes, nós ia lá na reunião. Mas essa reunião que você está falando era para tratar o que? Era pra comprar os lotes assim. Só para isso que se reuniam? É. E para oferecer ajuda para melhorar o distrito? Não. Às vezes falava com o pessoal lá da rua lá, o pessoal todo tava comentando que a Samarco queria comprar o lote, que eles já tavam sabendo que a barragem ia romper. Existia algum representante da comunidade? Não. As reuniões eram abertas para quem quisesse participar, quando tinha reunião com a Samarco? Era aberta.

Ao ser questionado se existiam representantes dentro da comunidade que pudessem levar reivindicações ou sugerir melhorias para as comunidades, o deslocado ambiental primeiramente não entendeu o que era “um representante da comunidade” e depois explicou que nas reuniões, basicamente, a comunidade relatava o medo de que alguma barragem fosse se romper:

Entrevista 21 (deslocado ambiental) existiam representantes da comunidade? Hã? Existia representante da comunidade que ia lá e dizia assim – “olha, isso aqui tá dando problemas na comunidade...”, por exemplo, eu fiquei sabendo que quando tinha obras, tinha bastante poeira. Havia alguém da comunidade que ia lá na Samarco dizer – “olha, tá tendo esse problema de poeira!” Representante? É. O nosso representante que ia lá, ele nunca falava nada disso, não, mas a única coisa que tinha lá, tinha um rapaz lá que tinha um sítio, então, o sítio é lá embaixo, no final assim, ele tinha vaca, tudo quanto é coisa lá, de vez em quando, a Samarco fazia reunião lá, e ele chegava e perguntava – “vocês podiam fazer um negócio, me informar uma coisa, vocês podiam me informar, eu queria saber se aquela barragem nunca vai arrebentar?”, o cara dizia – “ih, rapaz, pode esquecer disso, nunca vai acontecer isso”, - “é, porque periga nós, uai, nós mora em cima da barragem aqui”. Esse rapaz tinha muito medo, a gente tinha medo sabe, aí o cara pegava e falava assim, o que era o representante da Samarco que vinha e dizia – “ih, você pode esquecer isso aí, meu filho, isso aqui não arrebenta nunca, aquilo é feito com muita tecnologia, não precisa ter medo, não, é uma gente muito consciente que tá fazendo”.

O desabafo do deslocado ambiental, com claros sinais de frustração, relembra que na época em que as barragens estavam sendo construídas, imperava a esperança de que ela criasse muitos empregos. Como os atingidos eram pessoas muito simples, eles pouco entendiam o risco que estavam correndo:

Entrevista 24 (deslocado ambiental) Antes de construírem a barragem, alguém da empresa procurou vocês para saber a opinião sobre a construção da barragem? Ela ficava em cima da comunidade de vocês, né? É, bem em cima. Vocês puderam dar opinião sobre alguma coisa? Menina, eu vou falar que isso é verdade, não teve, não, porque foi assim, na época que foi construída essas barragem, eu não tenho muita lembrança porque a gente não tinha contato com esse negócio de barragem. Então nem sabia o que estava acontecendo? Na época que construíram essa barragem, essa que arrebentou, eu tava mais nova, a gente nem tinha ideia, eu era solteira ainda essa época, eu nem tinha ideia de barragem. Eu acho que o povo também ninguém tinha ideia, porque era povo de mato, povo de roça, povo acostumado, é um povo simples. O importante para nós é que a barragem é que ia dar serviço pro povo, então aquilo era aquela alegria – “ah, vai abrir uma barragem e vai abrir emprego”, então era aquela alegria.

Conforme Benincá, além dos conflitos e das diversas formas de violência que envolvem grandes construções, existe uma espécie de violência simbólica que, em suma, é o reconhecimento e a incorporação do discurso dominante como legítimo por parte dos dominados, sem que esses se percebam na condição de vítimas, pois são impostos valores, hábitos e comportamentos sem necessidade de se utilizar a violência física. Essa forma de violência e de poder sobre os demais são construções históricas para manter uma determinada estrutura social.18 Para afastar essa realidade, a consolidação democrática requer a eliminação de instituições e procedimentos autoritários e o fortalecimento de determinadas instituições, dentre as quais pode-se destacar: um sistema eleitoral democrático, partidos políticos revigorados, um poder judiciário independente, a observância dos direitos humanos entre outras instituições.19 Caso contrário, ocorreria o que Habermas chama de colonização do mundo da vida.

Ainda, conforme Benincá, para justificar as construções e persuadir os atingidos e assim desarticular a resistência popular, as empresas instalam-se com promessas de uma excelente indenização, passando uma imagem de idoneidade e generosidade, estabelecendo relações de cooptação com os atingidos, buscando, assim, tratar os direitos dos mesmos como presentes concedidos e não como obrigações da própria empresa:20

As empresas costumam indenizar algumas pessoas e dão trinta dias para sair. Dizem para não falar aos outros quanto ganharam, alegando que podem ser assaltados. Criam desconfiança, confusão e divisões entre quem sempre viveu junto. Fazem uma terrível violência psicológica. Em geral, as empresas ofertam um valor ínfimo pelas propriedades e buscam negociar em particular com cada família, o que reduz o poder de contestação. As populações atingidas são excluídas do processo de discussão para decidir sobre a implantação de barragens.

[...] de acordo com o movimento, quando aparece um conflito, usam estratégias de fracionamento, procurando resolver o problema de forma individualizada, por família, comunidade ou categoria. Desse modo, objetivam desmobilizar, neutralizar ou extirpar as resistências.21

 

Para Palermo, as ações racionais na modernidade proliferaram e produziram interações sociais regradas por estratégia e não por entendimento. Portanto, faz-se necessário que as pessoas saiam do estado de anomia, produzindo uma nova ética através de procedimentos para os quais a razão é fundamental. Isso pode ser atingido pela ação comunicativa, cujo fundamento basilar deve ser a finalidade ilocucionária (ações orientadas para o entendimento) e não a perlocucionária (estratégica ou de manipulação do interlocutor), visto que agir para o entendimento é uma forma de se construir bons resultados ancorados numa razão que se propõe ser dialógica e ética.22

O processo democrático exige que as realizações econômico-administrativas passem por processos de discussão nos quais os cidadãos exercem sua autodeterminação e essas discussões precisam ser feitas por um sistema de direitos que abra espaço a uma linguagem adequada.23 Esse entendimento é apoiado em Habermas, que pontua que a democracia deve ser baseada em uma maior participação da sociedade civil, pois este é o meio de descentrar as decisões políticas dos meios burocráticos do Estado. A teoria do discurso é o meio de se atingir um modelo democrático descentrado com a maior participação possível das pessoas nos processos decisórios das suas comunidades. A opinião pública, transformada em poder comunicativo segundo processos democráticos, não pode se sobrepor ao poder administrativo, mas, de certa forma, pode direcioná-lo.24

Para Habermas, a linguagem é um meio de comunicação que serve ao entendimento, já que os atores, ao entenderem-se entre si para coordenar suas ações, perseguem suas metas por meio de atos de fala, vinculando pretensões de validez suscetíveis de críticas, tais como:

a) o estabelecimento e renovação de relações interpessoais, nas quais o falante faz referência a algo pertencente ao mundo das ordens legítimas,

b) a exposição, ou a pressuposição, de estados e acontecimentos, nos quais o falante faz referência ao mundo de estados de coisas existentes e

c) a expressão de vivência, isto é, a apresentação que o sujeito faz de si mesmo, na que o falante faz referência a algo pertencente ao seu mundo subjetivo, ao que ele tem acesso privilegiado.25

 

A participação popular só se efetiva se houver ética na transmissão do problema ao participante, para que a participação não seja utilizada como “fachada” à manipulação. Por isso, é necessário que os participantes entendam realmente o problema discutido para que tenham liberdade para opinar, buscando a melhor solução a partir das suas vivências e das suas expectativas.26

No caso em análise, a escolha dos novos terrenos onde serão construídos os novos distritos foi baseada numa ampla participação dos deslocados ambientais, por meio da qual eles puderam votar nas localidades nas quais eles residirão:

Os atingidos foram convidados a selecionarem um dos terrenos, sendo que cada unidade familiar tinha direito a um voto, além das igrejas católica e evangélica, que tinham propriedades no local. Das 239 famílias que viviam no local, compareceram à votação 223, ou seja, 94% exerceram o direito ao voto. O resultado final foi: Lavoura, com 206 votos; Carabina, 15 votos; e Bicas, dois votos. Não houve voto em branco ou nulo.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acompanhou a votação e garantiu sua legitimidade. Além disso, o MPMG – por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Direitos Humanos (CAO-DH) e da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) – organizou todo o processo de votação, com apoio da comissão de representantes de atingidos e da Samarco, de maneira a garantir a maior participação possível e total transparência.27

Na visão de Habermas, o modelo de democracia deve contemplar as demandas da sociedade civil, considerando sua participação na esfera pública, de maneira a tornar as decisões deliberativas da política as mais descentradas possíveis. E o cidadão que reside em uma comunidade livre com direitos iguais entre todos, tem o direito de participar das decisões que envolvem as suas comunidades e, sobretudo, não só buscar os seus próprios interesses, mas o interesse comum.28

Para isso, no entanto, a participação pública nos processos decisórios não pode ser vista como um mero requisito formal, mas sim como realidade material. Isso porque, ao potencializar a participação dos indivíduos e instituições, permite-se a tomada de decisões mais corretas e mais eficazes.29

Embora Habermas defenda a participação das pessoas das comunidades nos processos decisórios a fim de buscar o interesse comum, percebe-se que, na prática, isso nem sempre ocorre. Conforme entrevistas coletadas, nos distritos atingidos viviam pessoas mais humildes, a maioria com baixa escolaridade. Quando essas pessoas participavam das reuniões que existiam, muitas delas sequer entendiam o que estava sendo discutido:

Entrevista 05 (deslocado ambiental) enquanto vocês moravam lá a empresa ouvia vocês, existiam reuniões com a comunidade? Tinha, mas a gente não entendia muita coisa. A gente falava que tinha medo da barragem, como diz, que, se a barragem estourasse, mas eles falavam que isso não ia acontecer e que isso nunca ia chegar lá, não tinha perigo. Vocês tinham medo que isso fosse acontecer? É. Vocês tinham ouvido falar que aquela tragédia poderia ocorrer? Ah, ouvir, eu ouvi, porque eles falavam que não chegava lá, a gente ficava despreocupado, (inaudível) porque a gente falava que estava preocupado nas reuniões e eles falavam que não era pra preocupar. As reuniões eram abertas assim para quem quisesse participar? Eram. E vocês participavam? De vez em quando. Eu não ia frequente, não, mas de vez em quando. Não valia à pena! Então você achava que não valia à pena participar? Sim, não valia. A gente não entendia direito as coisas que eles falavam.

Essa ausência de efetividade na participação e na deliberação afasta-se da participação ideal, impedindo a formação de decisões ambientais socialmente legítimas.30 Arbitrariedade poderia ser afastada se os afetados pela norma e pelas políticas públicas pudessem atuar na sua construção, pois a real participação de cidadãos reduz a possibilidade de o direito ser construído como instrumento de dominação, passando a ser instrumento de liberdade.31

4 A NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DAS PRÁTICAS DELIBERATIVAS NA GESTÃO AMBIENTAL

O princípio do Estado Democrático de Direito é acolhido pela Constituição Federal no seu artigo 1.º como um conceito-chave do regime adotado, tendo como fundamento o poder político sob a titularidade do povo. Esse poder é exercido por meio da democracia direta ou da indireta, estabelecendo como centro de poder político a própria sociedade, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública. Essa participação não se exaure na simples formação das instituições representativas. Apesar dessa previsão nacional, um dos principais pilares da participação social está na legislação internacional, mais precisamente na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.32

Com o objetivo de que os governos garantam aos cidadãos a participação social, foi elaborado o princípio 10 (dentre 27 princípios) que consta no documento final da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 – a chamada ECO-92:

Princípio 10: A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.33

Nessa mesma linha, com base em um modelo democrático, foi criado o Estatuto da Cidade, que determinou que a gestão da cidade deve se dar com participação dos cidadãos, baseado em uma gestão de programas e projetos de desenvolvimento urbano, por meio do qual toda a atividade municipal inserida no artigo 4º do Estatuto da Cidade submete-se ao princípio da participação popular, como definido no inciso II do seu artigo 2.º:

Art. 2.° A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

 

Segundo Diniz, a participação popular pode ser dividida por dois critérios: um dos critérios diz respeito ao grau de controle dos membros sobre as decisões que são tomadas; o outro critério diz respeito ao nível de importância dos assuntos decididos. Dessa forma, ele considera que há sete graus de participação, quais sejam: 1 - Informação/Reação; 2 - Consulta Facultativa; 3 – Consulta Obrigatória; 4 - Elaboração Recomendação; 5 – Cogestão; 6 - Delegação e 7 - Autogestão. 34

No grau um, os dirigentes apenas informam os membros da organização sobre as decisões já tomadas, com situações que podem vir a ocasionar uma reconsideração da decisão inicial, aproximando-se do grau subsequente. Nos graus de controle de natureza meramente consultiva, ou seja, Consulta Facultativa e Consulta Obrigatória, a decisão permanece nas mãos dos dirigentes, diferenciando-se somente porque na Consulta Obrigatória os dirigentes são obrigatoriamente consultados para que as decisões sejam consideradas válidas. No grau quatro, os subordinados elaboram propostas e recomendam medidas que a administração aceita ou não, sendo que neste caso o dirigente tem que justificar sua posição. Nota-se que até esse grau a decisão fica nas mãos do dirigente, mas diminui gradualmente a discricionariedade dos seus atos. No grau da Cogestão, existem as instâncias participativas colegiadas com poder deliberativo e consultivo ou de decisão compartilhada. Nesse sistema, ficam estabelecidos espaços delimitados de ação e deliberação conjunta, com espaço de ação social parcialmente politizada, de cooperação imposta. No grau de delegação, no poder deliberativo, existe o poder deliberativo autônomo, aberto em alguns campos ou jurisdições que antes eram controlados somente pelos dirigentes. No último grau, o participante determina os objetivos, escolhe os meios e estabelece os controles pertinentes, sem referência a uma autoridade externa.35

O padrão de gestão pública ou criação do direito deve se inspirar nos pressupostos da democracia deliberativa e essa democracia deve ser indissociável do princípio republicano, com discussão política sistemática e consciente entre cidadãos livres e iguais. Conforme Canotilho:

[...] por democracia deliberativa entende-se uma ordem política na qual os cidadãos se comprometem: (1) a resolver coletivamente os problemas colocados pelas suas escolhas coletivas através da discussão pública; (2) a aceitar como legítimas as instituições políticas de base na medida em que estas constituem o quadro de uma deliberação pública tomada com toda a liberdade.36

No modelo de visão republicana, a ordem jurídica tem a função de garantir a integridade de um convívio equitativo, autônomo e fundamentado no respeito mútuo, pois, por meio do modelo republicano, os cidadãos conseguem auto-organizarem-se em sociedade, de forma democrática, buscando o interesse mútuo.37

A partir da efetiva participação da sociedade na proteção ambiental, com vistas a garantir a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, desenvolve-se uma nova forma de cidadania. “Por ser este direito [ambiental], um direito essencial à qualidade de vida, amplia o próprio conteúdo dos direitos humanos e do próprio conceito de cidadania”.38

Para que se aplique a efetiva participação e deliberação, deve-se almejar um Estado que promova uma gestão ambiental democrática e que municie os deliberantes de informações suficientes que os tornem capazes de argumentarem (i) a favor da proteção ambiental e (ii) tendo em vista aqueles que serão atingidos pelas decisões tomadas a partir do discurso. Isso exige um Estado que dê condições para que as pessoas realmente deliberarem em matéria ambiental, não só em Conferências de alcance internacional, mas também nas diversas oportunidades em que essa matéria entre em pauta.39 O direito de participação na proteção internacional dos direitos humanos, assim como do meio ambiente, representa sempre um avanço normativo, tanto nos planos nacionais como internacionais. 40

Habermas aponta que, para Dahl, há cinco condições para considerar legítimo um processo democrático:


a) inclusão de todas as pessoas envolvidas;

b) chances reais de participação no processo político, repartidas equitativamente;

c) igual direito a voto nas decisões;

d) o mesmo direito para a escolha dos temas e para o controle da agenda;

e) uma situação na qual todos os participantes, tendo à mão informações suficientes e bons argumentos, possam formar uma compreensão articulada acerca das matérias a serem regulamentadas e dos interesses controversos.41

 

No caso em análise, para assegurar a participação das comunidades atingidas pelo desastre ambiental, o Ministério Público, com apoio da Prefeitura de Mariana/MG, articulou a indicação de representantes das comunidades, realizando-se votação em uma Assembleia Geral no dia 28 de novembro de 2015. Desse ato, ocorreu a designação de comissões de representantes para cada uma das localidades afetadas: Bento Rodrigues, Paracatu, Pedras, Ponte do Gama, Camargos e Campinas. A partir desse instante, encontros quase diários entre membros da comissão e representantes do Ministério Público da Comarca de Mariana/MG pautaram a elaboração de um Termo de Compromisso para garantir os direitos dos atingidos.42

Em entrevista sobre como está ocorrendo a participação dos deslocados na construção do novo distrito, a fala de dois entrevistados relata que eles sentem que as reivindicações estão sendo atendidas:

Entrevista 01 (deslocado ambiental): Desde o episódio, a comunidade que está sendo ouvida, como ela vem sendo representada? Tem um representante, eles vêm cá…. Vem aqui, passam pela casa e aí levam a notícia pra eles lá. Então vocês sentem que os pedidos da comunidade estão sendo atendidos? Estão.

Entrevista 11/12 (deslocado ambiental): Você sente que após o desastre, vocês estão podendo participar das tomadas de decisões? Isso, tá. Porque, no caso, eles tão dando salário, eles tão correndo atrás pra fazer as casas de novo, porque eles têm que construir, porque nós não pode ficar o resto da vida aqui em aluguel em casa dos outros, eles tão correndo atrás pra ver se constrói. Porque ele que destruiu, ele tem que construir, uai, mas nem todas pessoas, filha, que viu destruir, vai assistir construir. Não, porque tem muita gente doente, coisa assim...

 

A partir do relato de uma deslocada ambiental, ao ser questionada sobre como tem se dado a participação dos deslocados nas tomadas de decisões após o desastre, percebe-se que não fica claro para ela qual o real envolvimento da fundação que está cuidando dos interesses dos deslocados, nem se o governo faz parte ou não da fundação, fazendo confusão com “um negócio da igreja católica”. Ela entende que, caso não esteja gostando da casa provisória, será atendida pela empresa e poderá mudar de casa, porém, não sabe muito bem o papel dos envolvidos nas decisões pós desastre:

Entrevista 21 (deslocado ambiental): Você sente que a empresa e o Governo estão comprometidos com a participação de vocês nos processos de tomada de decisões? Tá, sim, tá. O Governo ou a empresa? A empresa, ela tá correndo atrás, porque tudo é assim, tudo não é no mesmo momento que a pessoa quer... A fundação, essa fundação é... essas coisas de Governo… E esse negócio, que tem um negócio, como é que é, é um negócio de Igreja Católica que tem aí... é tipo uma ONG, ela tá entrando e diz que é pra ajudar nós na indenização. Os pedidos de vocês estão sendo atendidos? É assim, se a pessoa - eu tô morando aqui... se quiser muda... a partir de hoje, eu não quero morar aqui, não quero ficar aqui, só a gente vai no escritório, conversar, eles pegam e anotam lá, depois eles vem, olha lá e depois eles vem atrás da gente pra gente olhar a onde é que a gente vai achar uma casa, aí anda com a gente...

O não entendimento sobre como se dá a participação das comunidades nos processos decisórios pós desastre, bem como a desconfiança sobre uma possível ajuda externa que a Samarco possa estar tendo para aprovar a qualidade da água no distrito que será construído, resta evidenciada na entrevista concedida:

Entrevista 24 (deslocado ambiental): Você sente que a empresa e o Governo estão ouvindo a comunidade nos processos para decidir sobre o futuro de vocês? Com certeza também tá junto, porque esse negócio... esse negócio foi assim, o estudo das águas, eles tão tudo em parceria, agora eu não sei se tá um cobrindo o outro, porque, às vezes, a água tem problema, e eles falam que não tem, eu não posso confirmar se tem ou se não tem. O lixão tá muito perto, uns falam que não tem problemas, outros falam que tem, então você não sabe qual é que tá certo, se é o que fala que tem problema ou se é o que fala que não tem. O lixão, eu acho que ele deveria ser tirado. Então isso aí tem que ser o que, o governo e a companhia. Os pedidos da comunidade estão sendo atendidos, assim, vocês levam as preocupações? Igual esse problema do lixão, a gente já fez essas entrevista assim reclamando do lixão, então já veio falando que o lixão, se o problema é com o lixão, ele vai ser tirado, agora nós sabe lá se eles vão por esse problema como problema ou se vai por sem problema, nós pode ter certeza disso. Muita gente fala que nós devia de morrido na lama – “porque esse povo de Bento”, minha filha, criança, a Samarco até diz que tá arrumando uma escola particular pra por os menino, tirar os menino da escola que eles tão acostumados.

Conforme a assistente social que trabalha diretamente com os deslocados ambientais, existem comissões que representam os direitos dos atingidos pelo desastre, e ela acredita que as reivindicações, na medida do possível, estão sendo atendidas:

Entrevista 19 (assistente social): Você percebe que os deslocados estão sendo ouvidos, pela empresa, pelo governo? Olha, eu acho assim, sim, o Ministério Público aqui de Mariana, ele tem escutado as comissões, inclusive agora voltou o processo aqui pra Minas, pra Mariana. O que eu sei é que os atingidos, eles formaram comissões, aí tem a comissão de Paracatu e tem a comissão de Bento, só que nem todas as pessoas participam, então assim, eles são escutados a partir dessas comissões, só que assim, tem uns que falam assim – “ah, eu não tô sabendo de nada, ah, ninguém me falou nada”, então assim falar que está sendo ouvido um por um, não está, não tem como fazer isso, mas assim, na medida do possível, os que procuram, assim, que falam, eu acredito que eles estão sendo atendidos, sim, eu não posso falar assim que… Afirmar? Eu não posso afirmar muita coisa assim dentro… Dentro do que eu vejo assim atualmente, eu não posso falar que a empresa tem sido assim, ela não tem feito a parte dela, eu não posso falar isso porque, realmente, assim, ela tem feito acho que até mais do que eu imaginava, sabe, sinceramente, claro, faltam muitas coisas, algumas coisas, a gente tem que ver, por ser empresa privada, ela vai ver o lado dela e tudo mais, mas eu não posso falar que não está fazendo.

De acordo com o Promotor de Justiça entrevistado, a empresa responsável pelo desastre, mesmo após a tragédia, tentou limitar a participação dos deslocados ambientais, e uma das grandes dificuldades pós desastre foi a tentativa de conscientizar os atingidos para que eles vissem a empresa causadora do desastre como ré e não como uma autoridade do Município:

Entrevista 16 (promotor de justiça): Como está sendo o processo de construção, elaboração e aferição de ações que venham garantir uma melhor qualidade de vida para os atingidos? A comunidade atingida está participando de decisões? Na verdade, a empresa sempre tenta limitar a participação deles, já chega com tudo pronto, como um trator – “nós estamos com uma barreira, com um dique de contenção”, a sanha da empresa de se sobrepor ao interesse e ao direito das pessoas. Porque são pessoas muito simples, não é? São pessoas muito simples, elas não sabem que elas podem ter voz ativa, então elas veem a empresa, é difícil pra gente que é esclarecido imaginar que uma pessoa pode ver uma empresa como autoridade, mas pra aquelas pessoas, a Samarco é uma autoridade, se o engenheiro da Samarco falar – “olha, a sua casa vale tanto”, eles acreditariam que valia aquilo. E ainda que eles não acreditassem, e eles falassem (inaudível – você receber isso), eles não iam questionar, - “ah, eu vou receber isso mesmo da Samarco”. Por mais que ainda ele acreditasse que essa casa dele valesse mais, ele iria aceitar porque estava como se ele estivesse submetendo a uma autoridade. Então, a visão que eles tem da Samarco é como se ela fosse superior a eles e não que ela é uma empresa privada, que tem finalidade lucrativa e que as pessoas que estão ali, no final das contas, no fundo, até, tanto ele quanto o presidente da Samarco, eles não têm essa visão. Desde o episódio, a comunidade está sendo ouvida? Tem uma comissão que representa a comunidade, tanto de Bento quanto de Paracatu. Então você acredita que os pedidos da comunidade estão sendo atendidos? Igual eu te falei, na base, assim da Justiça, a gente pede, e o Promotor vai lá e mais a Juíza...

A escolha do local onde serão construídos os distritos que foram soterrados pelo mar de lama foi feita com a participação dos deslocados ambientais que tiveram, por meio do Ministério Público, seus direitos de participação assegurados:

Eu precisei ficar muito tempo conversando com eles para conseguir a entrevista, pois a preocupação deles em assinar, as perguntas parecidas com às que eu estou fazendo para o senhor, e o medo que a Samarco visse a assinatura deles, era muito grande. É medo, eles tem receio, por exemplo, eles perderem o amparo e prejudicá-los porque ter falado da Samarco. Então isso que nós estamos vendo aqui é o que está acontecendo, a situação é muito complexa, mas que nós garantimos que eles participem, por exemplo, a empresa já queria vim com um terreno pronto, aí os atingidos – “não, o terreno vai ser esse e nós vamos reconstruir dessa forma”, nós barramos isso, nós falamos – “olha, vocês tem que, pelo menos, identificar três terrenos que eles possam escolher. E mais, você pode identificar os terrenos com a ajuda deles porque eles conhecem a região”, então eles que indicaram que o terreno, o que foi, ao final, escolhido.

Conforme relato do Promotor de Justiça, a participação dos deslocados ambientais na escolha das novas casas que serão construídas quase foi limitada, isso porque a empresa responsável pelo desastre apresentou cinco modelos de casas, e o promotor de justiça entendeu, para esse caso, que os deslocados têm direito de reestabelecer o padrão de casas que eles tinham antes de o desastre ocorrer:

Entrevista 16/17 (promotor de justiça): O Município em si, assim, dentro das limitações, fez alguma coisa, também não podia se omitir porque as pessoas estão ali, elas precisam ser amparadas, você precisa receber, tem que saber quem é atingido, quem não é, então, essas pessoas (inaudível), essa coisa toda, médicos, etc., trabalharam e tentaram fazer alguma coisa. O problema veio depois, essa ação emergencial, ela foi desordenada, mas ela aconteceu de uma forma razoável, contando principalmente com o papel da Prefeitura do Município. Depois de uns quinze dias, aí começou, prestou um papel, depois virão papelão, um papelão o que a prefeitura fez, eles simplesmente não fizeram nada pelos atingidos, deixaram tudo na mão da empresa, e a empresa foi passando igual a um trator em cima das vítimas, aí que veio o nosso papel do Ministério Público, quando a Município começou a, na verdade, se aliar à empresa, a todo momento querendo proteger, falando bem da empresa e falando – “não, eles vão resolver tudo, vai se resolver do jeito deles, sem a participação dos atingidos”, eles dizendo assim – “nós vamos construir a nova Bento, mas vão ser cinco modelos de casa”, quem disse que eles querem cinco modelos de casa, quem disse que você pode decidir onde vai ser a nova Bento. Então nós começamos a atuar pra garantir a participação deles, aí nós ajuizamos talvez a ação civil pública mais importante em termos de direito hoje que já fora ajuizada, pelo menos em Minas Gerais, que abarca mais de trinta pessoas.

Como muitas decisões e atividades relacionadas à área ambiental tendem a ter efeitos definitivos, é necessário que elas não ocorram de forma unilateral. As pessoas que participam da tomada de decisões, não decidem em função de um consenso, mas sim em função de suas próprias preferências.43 O ausente à deliberação é um destinatário da norma ambiental dela decorrente e não pode ficar à mercê dos interesses dos que estão deliberando, pois, “ninguém pode depender do outro de modo fundamentalmente irreversível”.44 A importância da deliberação ambiental está ainda mais presente quando se refere à gestão de riscos, como será abordado no próximo tópico.

5 DELIBERAÇÃO AMBIENTAL E GESTÃO DE RISCOS

Ao se inserir a temática ambiental como objeto da deliberação, a solução da gestão dos riscos passa a ser compartilhada de forma democrática, isso porque a deliberação ambiental possibilita aos envolvidos a tomada de consciência a respeito dos riscos das decisões que podem ser tomadas. Isso cria um padrão de democracia que acompanhará a evolução das discussões, com oportunidades de participação e deliberação nas tomadas de decisões, não como mera consulta, mas com efetivas possibilidades de influenciarem as escolhas que se realizarão. Assim, em vez de uma autoridade científica ou política orientando e tomando decisões, é importante desenvolver modelos de cooperação que busquem a prevenção dos riscos tendo como base “a cultura, a tradição, o senso comum e a experiência”.45

Segundo Habermas (2004):

convém ter em mente que os sujeitos jurídicos privados não podem chegar ao gozo das mesmas liberdades subjetivas, se eles mesmos - no exercício comum de sua autonomia política – não tiverem clareza sobre interesses e padrões justificados e não chegarem a um consenso sobre aspectos relevantes, sob os quais o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente deve ser tratado como diferente. 46

A participação popular e a deliberação na elaboração de normas ambientais impedem que surjam normas unilaterais e arbitrárias, baseadas somente em interesses patrimoniais e econômicos degradadores do meio ambiente.47 Caso não seja possível a presença de todos em uma reunião que envolva decisões, os participantes devem deliberar sobre a proteção ambiental, sem ferir os interesses dos ausentes. Para isso, é necessário compreender o contexto de vida do ausente para perceber de que forma a decisão pode proteger sua cultura, seu modo de vida, e, até mesmo, sua existência.48

As ações civis que estão em andamento têm o intuito de garantir que as famílias atingidas pelo desastre tenham voz ativa perante a empresa responsável, tendo em vista que, inicialmente, os atingidos não puderam ver suas demandas satisfeitas pela empresa degradadora:

Saliente-se que ao negar esses direitos às pessoas/famílias que perderam tudo, as empresas lesam novamente os sobreviventes do desastre. Decerto, são inúmeros casos em que as pessoas, munidas de documentos e informações precisas, estiveram no posto de atendimento da empresa Samarco e tiveram negados seus direitos. O descaso frequente acendeu um profundo sentimento de exclusão e sofrimento aos membros dessas famílias. O que se verifica é um desrespeito com pessoas em situação de hipervulnerabilidade: os agentes da empresa aproveitam-se da ignorância e ingenuidade dessas famílias, postergam a resposta aos seus direitos e depois recusam a concessão desses direitos, causando mais angústia ainda às famílias que, sem alternativa, nada fizeram inicialmente, até serem devidamente informadas pelas comissões de representantes de atingidos e pelo Ministério Público.49

Em praticamente todas as cidades em que as grandes empresas se instalam, os argumentos para o risco que a atividade envolve são justificados perante as comunidades como empresas que geram empregos e melhorias na qualidade de vida das comunidades tradicionais. Reforçando essa noção, as empresas contratam especialistas com alto poder de persuasão e propõem atividades compensatórias com poucas discussões, pois vendem a ideia somente do progresso da cidade. Assim, vão ganhando espaço e confiança das comunidades para se instalarem sem muitas resistências das mesmas.

Para Silveira, o dever de defender e proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado no art. 225 da Constituição Federal, assume sentido muito mais profundo em processos democráticos participativos, através da presença de um coletivo personalizado, atuante na tutela do meio ambiente como bem comum. Ele adverte que o grau de participação popular precisa ser fixado de forma clara pelo Poder Político, com espaços efetivos baseados nos valores democráticos e participativos que fundamentem a Constituição, bem como o dever da coletividade em preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A participação cidadã deve ocorrer em forma de contribuição dos debates, mas também com a intervenção nos processos decisórios, tanto administrativos quanto judiciais.50

As deliberações ambientais devem ter a participação dos afetados para que todas as ações e soluções sejam analisadas em conjunto, com um espaço de diálogo, suprido de informações e consequências corretas. O direito, conforme Habermas afirma, serve como mediador entre o mundo da vida e o sistema, capaz de traduzir as intenções e atuações de uma esfera para tornar-se inteligível à outra. Uma legiferação participativa faz com que os valores das comunidades possam ser transmitidos aos aplicadores do direito, dentre eles: valores sociais, psicológicos, ideológicos e religiosos que empreendem a aplicação dos sentimentos e vivências dos participantes.51

A deliberação ambiental é necessária para a efetiva proteção ambiental, sendo assim, cumpre ao Estado ser o garantidor do direito ambiental, assegurando a participação popular como instrumento de garantia dos direitos dos particulares, pois essa participação garante maior validade social ao direito ambiental e uma maior conscientização dos participantes em relação à proteção do meio ambiente.52

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na pesquisa realizada com os atingidos pelo desastre ambiental em Mariana/MG, foi possível constatar que os entrevistados, ao serem questionados sobre como se dava a participação nas deliberações que envolviam os interesses da comunidade:

(1) Antes do desastre, eles não tinham voz ativa nos processos de decisões, mesmo estando presentes às reuniões, pois sequer entendiam o que estava sendo abordado, não captando a realidade à sua volta. A preocupação recorrente dos presentes era a manifestação do medo quanto ao rompimento da barragem, sempre minimizado pelos representantes da empresa.

(2) Depois da tragédia, os deslocados ambientais somente vêm deliberando devido à intervenção do Ministério Público, que garantiu, por exemplo, que os deslocados ambientais pudessem escolher o lugar onde ocorrerá o reassentamento.

As questões ambientais não podem ser tratadas em segundo plano. É necessário, além de educação e informação, capacidade crítica de interferência de cada cidadão nos debates e nas decisões que interferirão no ambiente em que vivem. Segundo a linha de pensamento de Habermas, as questões mais complexas da modernidade precisam ser aprofundadas, com a procura de soluções que não interfiram nos destinos das pessoas por meio de imposições institucionais, mas que permitam transformações sociais.

Para isso, as organizações da sociedade civil devem ter capacidade de intervir politicamente nas questões sociais e ambientais, e os envolvidos não podem ser meros expectadores, aguardando as cenas trágicas dos desastres. A participação das comunidades é o que torna as normas socialmente eficazes, pois retratam as vontades dos próprios destinatários, protegendo-os das escolhas arbitrárias dos “mais fortes”.

Qualquer decisão que envolva a vida de pessoas e as questões ambientais devem considerar um processo democrático em que os interesses públicos sejam considerados, com ampla participação da população afetada por empreendimentos. Não pode haver primazia da ordem política e da ordem econômica em detrimento dos direitos humanos e da conservação do meio ambiente. Para isso, “a gestão ambiental local deve partir do saber dos grupos sociais, onde se fundem a consciência de seu meio, o saber sobre as formas e técnicas de manejo sustentável de seus recursos, com suas formas simbólicas e o sentido de suas práticas sociais”.53

A responsabilidade com o meio ambiente é de todos, e a manutenção de seu equilíbrio resultará em benefício global, tanto para as gerações presentes quanto para as gerações futuras. Portanto, deve-se buscar cada vez mais uma justiça ecológica, considerando os princípios da intergeracionalidade, da prevenção, da precaução e do direito humano ao meio ambiente sadio e equilibrado, que serão melhor atendidos por meio da democracia deliberativa, a fim de que a degradação ambiental não cause a violação dos direitos humanos.

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1 Pós-doutor em Direito (UFRGS). Doutor e Mestre em Direito (UFRGS). Bacharel em Direito (UNISINOS). Professor Efetivo da Universidade Regional de Blumenau-SC (FURB) (2017-atual). Vice-líder do grupo de pesquisa CNPq/FURB ‘Direitos Fundamentais, Cidadania e Justiça’. Procurador do Município de Caxias do Sul-RS (2009-2017). Professor Adjunto da Universidade de Caxias do Sul, com atuação na graduação em Direito e no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito como membro do corpo permanente (2014-2017).  E-mail: leorochasouza@gmail.com 

2 Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul-RS (UCS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Cultura Política, Políticas Públicas e Sociais”. Especialista em Direito com Ênfase em Direito Público (Faculdade IDC), Especialista em Perícia e Auditoria Ambiental e Bacharel em Direito (Universidade de Rio Verde-GO). Trabalhou como Integrante da Comissão Organizadora do Anteprojeto de Lei Complementar do Código Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre. Trabalha na Ambientali, Assessoria Jurídica Ambiental e é membro da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Sinduscon-RS. E-mail:carolinapaaz@hotmail.com

3 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide. Os riscos ambientais advindos dos resíduos sólidos e o hiperconsumo: a minimização dos impactos ambientais através de políticas públicas. In: ______. Resíduos sólidos: consumo, sustentabilidade e riscos ambientais. Caxias do Sul: Plenum, 2014. p. 10.

4 MOLINARO. Carlos Alberto. Responsabilidade civil frente aos desastres ambientais. Belo Horizonte: ESDH, 2017. p. 16-17.

5 Conforme dados coletados nos autos do processo cautelar n.º 0400.15.003989-1.

6 CRESWELL, John W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

7 HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Metodologia Científica na Pesquisa Jurídica. 9. ed. rev. São Paulo: Atlas, 2017, p. 93-94.

8 ASSUNÇÃO, Francisca Neta Andrade; BURSZTYN, Maria Augusta Almeida; ABREU, Teresa Lúcia Muricy. Participação social na avaliação de impacto ambiental: lições da experiência da Bahia, Confins, 2010.

9 SILVA, José Hamilton Gondim; GONDIM FILHO, José Hamilton. A Insustentabilidade do Desenvolvimento Sustentável. Ambiente: Gestão e Desenvolvimento (UERR), v. I (1), p. 28-46, 2006, p. 45.

10 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. Jundiaí: Paco Editorial, 2013b. p. 11.

11 Para Habermas, o mundo da vida é o local onde ocorrem as vivências, onde as pessoas se interrelacionam. (SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa, p. 34, 11).

12 HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Cátedra, 1997. p. 418.

13 HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2004, p. 119 (destaque nosso).

14 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 51.

15 MARQUES, Angela Cristina Salgueiro. Os meios de comunicação na esfera ública: novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores. Líbero - Ano XI - nº 21 - Jun 2008, p. 20.

16 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 37.

17 TEIXEIRA, Maurozan Soares. Ética do Discurso em Jürgen Habermas: Importância da Linguagem para um Agir Comunicativo. Revista Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 7, n. 2, 2016. p. 307.

18 BENINCÁ, Dirceu. Energia e cidadania: a luta dos atingidos por barragens. São Paulo: Cortez, 2011. p. 60.

19 ALBUQUERQUE, Armando. Direito ao desenvolvimento político: a democracia como condictio sine qua non. Revista Direito e Desenvolvimento – a. 1, n. 2, julho/dezembro 2010, p. 9-21, p. 14.

20BENINCÁ, Dirceu. Energia e cidadania…, p. 61.

21 BENINCÁ, Dirceu. Energia e cidadania…, p. 61.

22 PALERMO. Luiz Claudio. A importância da teoria do agir comunicativo na atualidade: racionalidade, mundo da vida e democracia deliberativa. Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Macapá, n. 6, p. 1-17, dez. 2013, p. 6.

23 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 58.

24HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 2, p. 23.

25HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1988. v. 1, p. 394.

26 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 156.

27 Ministério Público de Minas Gerais na Defesa dos Direitos Humanos.“Caso Samarco em Mariana”. Cópia dos autos do Inquérito Cívil.

28 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos da teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. p. 272.

29 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 103.

30 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 104.

31 OLIVEIRA JUNIOR, J. A.. Pesquisas em Cidadania e Soluções Alternativas de Conflitos - Contribuições de Jürgen Habermas para um Paradigma Diálogico no Direito. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; DEL´OLMO, Florisbal de Souza. (Org.). Diálogo e Entendimento: Direito e Multiculturalismo & Cidadania e Novas Formas de Solução de Conflitos. 1ªed.Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2009, v. 1, p. 3-16. p. 12.

32 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 112.

33 DECLARAÇÃO do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em: 16 out. 2017.

34 DINIZ, Adiel de Sousa. Participação popular e sustentabilidade: o caso do Projeto Agente Ambiental Comunitário do Amapá Macapá-AP. Dissertação (Mestrado) - Programa de Mestrado de Direito Ambiental e Políticas Públicas, Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2011. p. 59, com base em DIAZ BORDENAVE, Juan E. O que é participação?. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

35 DINIZ, Adiel de Sousa. Participação popular e sustentabilidade... p. 58-60.

36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 224.

37 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 66.

38 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 156.

39 SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental: uma proposta a partir da ética do discurso de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013a. p. 14.

40TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 203.

41HABERMAS, Direito e Democracia..., v. 2, p. 42-43, trazendo a proposta de R. A. Dahl. Democracy and its Critics. New Haven, 1989, p. 307.

42 Conforme cópia dos autos do processo. Informações prestadas pelo Promotor de Justiça Guilherme Sá durante a pesquisa.

43 SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental... p. 51.

44 HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 88.

45 SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental… p. 43.

46 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia... v. 1, p. 13.

47 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Novas tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil: natureza e perpectivas: uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 197.

48 SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental... p. 96.

49 Conforme consta nos autos da ação penal movida pelo Ministério Público de Minas Gerais na Defesa dos Direitos Humanos.

50 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. Risco ecológico abusivo: a tutela do patrimônio ambiental nos processos coletivos em face do risco socialmente intolerável. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2014. p. 214-215.

51 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 105-110.

52 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. p. 105-110.

53 MUNIZ, Iranice Gonçalves. Democracia e direitos humanos: um novo olhar sobre espaço rural brasileiro. Revista Direito e Desenvolvimento. v. 8, n. 1, setembro 2017, p. 147-162, p. 151