A CONDIÇÃO DOS TRABALHADORES MIGRANTES NA PERSPECTIVA DO CINEMA: ANÁLISE DA OBRA “MUNDO LIVRE”

THE IMMIGRANT´S CONDITION IN THE CINEMA PERSPECTIVE: ANALYSIS OF THE WORK “IT´S A FREE WORLD”

Daniela Wernecke Padovani1

Jorge Luís Mialhe2

Recebido: 01/02/2018

Aprovado: 20/04/2018

 

RESUMO: O presente artigo trata da questão de trabalhadores migrantes que deixam seus países de origem em busca de melhores condições de vida e de trabalho, mas acabam por encontrar em outras localidades situações de exploração laboral e de marginalização de direitos. A discussão do tema tem como ponto referencial a análise da obra cinematográfica “Mundo Livre”, do diretor britânico Ken Loach, bem como o exame de instrumentos jurídicos internacionais de proteção dos direitos humanos dos migrantes, a fim de, a partir de um diálogo dos elementos apresentados no filme com a ciência jurídica, buscar a compreensão da questão migratória e sua intersecção com o alcance da justiça social.

Palavras-chave: Imigrantes. Exploração laboral. Direitos trabalhistas.

 

ABSTRACT: This article deals with the issue of migrant workers who leave their countries of origin in search of better living and working conditions, but find in other localities situations of labor exploitation and marginalization of rights. The discussion of the theme has as reference the analysis of the cinematographic work It’s a Free World, of the British director Ken Loach, as well as the examine of international legal instruments of protection of the human rights of the migrants, in order, from a dialogue of the elements presented in the film with legal science, seek to understand the migratory issue and its intersection with the reach of social justice.

Keywords: Immigrants. Exploitation of labor. Labor rights.

1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, é notável o intenso movimento de pessoas que transpassam as fronteiras de seu país para adentrarem em outros, cujas culturas3 lhes são inteiramente estranhas. No entanto, tais diferenças não têm representado obstáculos intransponíveis para que tal movimento seja descontinuado. Dentre tantas razões possíveis para que isso ocorra, ou seja, para que as pessoas persistam nesse fluxo migratório, destacamos no presente artigo aquela pela qual um migrante deixa seu país de origem no desejo de buscar melhoria de vida e até de sobrevivência para si próprio e para a sua família: trabalho e dignidade para a sua existência. 4

O cerne da discussão que ora se apresenta versa especificamente sobre as condições de vida e de trabalho de muitos imigrantes que se encontram em situação irregular no estrangeiro, situação esta que, em decorrência de uma inevitável vulnerabilidade, propicia um cenário de exploração laboral, marginalização social e desrespeito aos direitos humanos.

Para o enfrentamento dessa temática, servimo-nos, como ponto de partida, da análise da obra cinematográfica “Mundo Livre”, que, a partir de um enredo entrelaçado por questões jurídicas, sociológicas, políticas e socioculturais, fornece importantes subsídios à compreensão e crítica do tema proposto.

De acordo com Olivier Corten e François Dubisson (2015), o Centro de Direito Internacional e de Sociologia aplicada ao Direito Internacional da Universidade Livre de Bruxelas vem produzindo, desde 2013, estudos sobre o Direito Internacional e o cinema, nos quais confrontam-se cenas de filmes com o direito positivo existente, estimulando estudo das representações à luz da crítica jurídica. Conforme destacou Fabíola Cristina Ribeiro de Oliveira (2017), na grande área das Ciências Humanas e Sociais,

tem sido cada vez mais comum a análise de uma temática por meio de recursos cinematográficos. Em Ciências Sociais, por exemplo, Ribeiro (2013), [...] faz uso de uma metodologia, do ponto de vista teórico-analítico, que trata o objeto artístico como algo que é capaz de provocar reflexão, e não mero entretenimento. A idéia é discutir a sociedade a partir do filme, indo além da tela para que se obtenha uma autorreflexão crítica da modernidade do capital, no sentido de superar o passado e formar sujeitos que possam negar as imposições do capital às individualidades pessoais. (OLIVEIRA, 2017, p. 3)

Nesse sentido, a metodologia utilizada será a pesquisa exploratória que se baseia na análise do filme, dos instrumentos jurídicos internacionais e da revisão bibliográfica, a fim de se estabelecer um diálogo dos elementos apresentados no filme com a ciência jurídica. A vertente teórico-metodológica adotada será a jurídico–sociológica, em que trata do fenômeno jurídico a partir da interação com o ambiente social e permite analisar o Direito, em especial no que diz respeito à efetividade das normas, enquanto uma variável das relações entre Direito e sociedade e suas contradições e intersecções com campos diversos, tais como o sócio-cultural, o político, o econômico e o antropológico.

2 A QUESTÃO MIGRATÓRIA

A migração internacional não é um fenômeno recente. A história mundial sempre revelou a presença de fluxos migratórios internacionais em intensidade e por razões diversas a depender do contexto sócio, político, econômico e cultural de cada momento.

A atualidade revela uma completa imersão da população mundial em um cenário de globalização, em que os meios de comunicação e transporte passam a ser rapidamente aperfeiçoados e a difusão de informações passa a influenciar modos de vida. Nesse contexto, a lógica da mobilidade social e do fluxo de pessoas sofre igualmente alterações. Os novos fluxos migratórios acompanham a nova lógica de circulação de capital, de mercadorias e de idéias. (FARET, 2010)

É notável que os movimentos populacionais contemporâneos vêm ocorrendo no sentido de suprir uma demanda por mão de obra abundante e a baixos custos em meio à generalizada estagnação econômica, como uma estratégia de superação da crise, utilizando-se da informalidade nas relações de trabalho. “As várias circunstâncias da crise econômica e os vários esforços para lidar com ela, criaram uma abundante reserva de força de trabalho que, posteriormente, encoraja e facilita a informalização”. (PORTES & SASSEN-KOOB, 1987, p. 30-61)

A globalização tem sido, portanto, uma das principais causas das novas mobilidades da imigração internacional. Salienta Patrícia Tavares de Freitas (2012) que os imigrantes seriam as principais vítimas dos efeitos da globalização que, se de um lado acirra desigualdades regionais em nível mundial, impulsionando movimentos migratórios de massa nos países que perderam o jogo do desenvolvimento, de outro lado impõe a alguns setores econômicos padrões de competitividade que passam a se sustentar por processos de superexploração da força de trabalho em amplos circuitos de subcontratação (FREITAS, 2012, p. 157). Essa dinâmica fica bem evidenciada no filme “Mundo Livre”.

3 SOBRE A OBRA “MUNDO LIVRE”

Trata-se do filme intitulado “Mundo Livre”, no original “It´s a Free World”, produzido no ano de 2007 por Sixteen Films e ECM Produktion. O filme foi dirigido pelo cineasta britânico Ken Loach, reconhecido por explorar a temática política e social de sociedades imersas nas desigualdades produzidas pela dinâmica capitalista, retratando em grande medida a situação e a luta da classe trabalhadora frente ao neoliberalismo cuja agenda, nas palavras de Habermas (2012),

concede aos interesses dos investidores um predomínio sem escrúpulos, que aceita passivamente a desigualdade social crescente, o surgimento de um “precariado”, a pobreza infantil, os salários aviltantes e assim por diante, que solapa, com sua loucura de privatizar, as funções centrais do Estado, que retalha os restos de deliberação da esfera pública política para facilitar a ampliação dos rendimentos dos investidores financeiros, que torna a cultura e a educação dependentes dos interesses e dos humores de patrocinadores melindrosos com a conjuntura. (HABERMAS, 2012, p.111)

Ken Loach revela a classe trabalhadora como um sujeito histórico de seu próprio tempo e busca, através de seus filmes, politizar a arte propondo um debate para o engajamento na luta dos oprimidos. Como ressalta Cristina Toledo Maria (2010),

Ken Loach retrata a realidade concreta da situação da classe trabalhadora, a partir da qual se extrai a estratégia de luta para lidar com a situação política e econômica em que o proletariado se vê envolvido em meio ao contexto neoliberal. (MARIA, 2010, p. 135-136).

Nota-se nos filmes de Ken Loach, de acordo com a leitura apresentada por Ana Camila Esteves (2010), uma tendência para tratar de temas inseridos em situações históricas e socialmente relevantes, em que o diretor problematiza e oferece alternativas de reflexão sobre esses contextos. Para aquela autora, a partir da ficção, o diretor remete o espectador a acontecimentos e conflitos reais, demandando deste espectador um inevitável posicionamento político.

Com roteiro de Paul Laverty, fotografia de Nigel Willoughby e música de George Fenton, o filme “Mundo Livre” apresenta uma trama com forte crítica à sociedade capitalista inserida num mundo globalizado em um contexto neoliberal, em que as relações sociais, em especial as laborais, são pautadas pelo descaso, pelo individualismo e pelo desvalimento. O filme foi exibido na Mostra Panorama do Cinema Mundial, durante a realização do Festival do Rio de 2007, bem como no Festival Internacional de Cinema de Veneza, tendo esta última exibição lhe rendido o prêmio “Osella d’Oro” de melhor roteiro.

O drama traz em seu elenco a atriz Kierston Wareing, no papel principal de Angie, uma jovem britânica que trabalha em uma empresa no ramo de recrutamento de trabalhadores imigrantes para realização de serviços diversos nos arredores de Londres, em regime de terceirização. As vagas oferecidas para os trabalhadores não demandam alta qualificação de mão de obra, embora muitos dos candidatos a possuam, e são, em sua maioria, destinadas para os setores da construção civil e da indústria. Angie, que vivencia em seu ambiente de trabalho condições precárias, com baixo salário, jornadas excessivas e situações de assédio sexual por seus colegas de trabalho, logo é despedida e, desempregada, vê-se impulsionada a empreender seu próprio negócio, como trabalhadora autônoma, no mesmo ramo de atividade, já que possui a experiência e o conhecimento necessários.

Angie inicia seu novo trabalho em parceria com a amiga Rose, interpretada pela atriz Juliet Ellis, a qual, também insatisfeita com sua atual função - aquém de sua qualificação, pois possui graduação, mas trabalha em uma empresa de “call center”, decide investir no novo empreendimento. As amigas criam, então, a própria agência de empregos. As atuações de Angie e de Rose são permeadas, durante toda a trama, por um conflito moral importante que representa a dualidade entre o comportamento ético e honesto e seus antônimos, numa clara relação de ambivalência. Ambas estão inseridas em uma lógica social perversa, em que sobressaem no mercado informal de trabalho a exploração de mão de obra, a precariedade nas condições laborais e a marginalização de direitos básicos, saltando aos olhos um individualismo exacerbado alimentado pelo descaso da própria sociedade e do Estado.

Trata-se inicialmente do recrutamento de trabalhadores de nacionalidade polonesa, os quais adentram em território inglês com a devida documentação, visto que possuem passaporte regular da União Européia. São, portanto, imigrantes legais atraídos pela promessa de melhores condições de vida e de trabalho em grandes e prósperos centros econômicos, como Londres. O fato desses imigrantes ostentarem a condição legal para permanecer e trabalhar no Reino Unido, enquanto membros da União Européia5, não lhes garante, no entanto, que terão boas e igualitárias condições de vida e de trabalho em relação aos nacionais.

Essa situação, bem retratada no filme, denuncia a precariedade de moradia (já que os imigrantes habitam em trailers ou em quartos coletivos), e das relações laborais, pois esses estrangeiros, ainda que legalizados, são contratados em esquemas flutuantes, com salários abaixo do mínimo legal, com jornadas excessivas de trabalho, em ambientes inadequados para o labor, sem quaisquer garantias de direitos trabalhistas, cujos vínculos se formam em regime de terceirização com o tomador dos serviços. Importante ressaltar que tais imigrantes não vivem na clandestinidade e as respectivas relações laborais que se estabelecem são socialmente aceitas, posto que inseridas num contexto legal de flexibilização das relações de trabalho, política esta incentivada e prestigiada num cenário de economia global e neoliberal.

Não é surpreendente que essa situação de desigualdade no tratamento dos trabalhadores europeus (não apenas no Reino Unido) tenha sido uma das preocupações da Convenção Européia sobre a Condição Jurídica do Trabalhador Migrante, aprovada pelo Conselho da Europa (COE) em Estrasburgo, em 24 de novembro de 1977, cujo preâmbulo adverte que é preciso regular a situação jurídica dos trabalhadores migrantes, súditos dos Estados-membros do Conselho da Europa, “para assegurar-lhes um tratamento que não seja menos favorável do que desfrutam os trabalhadores nacionais do Estado de acolhida, em tudo que se refere às condições de vida e de trabalho”. (COE, 1977)

Todavia, lamentavelmente, a referida Convenção foi ratificada por apenas 11 dos 47 Estados-membros6, seis dos quais exportadores de mão-de-obra (Albânia, Espanha, Moldávia, Portugal, Turquia e Ucrânia) e cinco potenciais importadores (França, Itália, Holanda, Noruega e Suécia).7

A corroborar tal afirmação, basta atentarmos para o contrato de zero hora, zero-hour contract, reconhecido e difundido no Reino Unido para dar flexibilidade à contratação de mão de obra. Trata-se de um sistema de contratação de trabalho temporário, em que os trabalhadores ficam à espera do chamamento pelos empregadores, de acordo com as necessidades destes últimos. Essa intermitência, em contraposição ao emprego permanente, significa para os trabalhadores menos garantias de direitos e menos qualidade de vida, uma vez que não há a obrigação de remunerar o período que o trabalhador fica à disposição, recebendo este apenas o salário correspondente às horas trabalhadas8.

Nota-se que em 2007, ano em que foi produzido o filme, a Polônia passava, como tantos outros países pertencentes à Europa Oriental haviam passado ou ainda passam, por uma relevante reorganização política e econômica, em um período de transição de governos socialistas para regimes democráticos de economias capitalistas em decorrência do término da Guerra Fria, num contexto em que a dissolução da ex-União Soviética, a partir de 1991, provocou a fragmentação de vários países. Além disso, em 2007, a crise financeira do subprime, por conta da concessão de empréstimos hipotecários de alto risco, provocou a segunda maior crise do capitalismo desde 1929, agravou substancialmente a situação de desemprego na maioria dos países e intensificou o fluxo migratório internacional. Em contexto diverso, mas com o mesmo sentimento de submissão do Estado ao parasitismo financeiro, Nietzche (2009), já criticava “os verdadeiros poltrões, os eremitas das finanças, os realmente apátridas e cosmopolitas que, por falta de instinto de Estado, aprenderam a fazer da política um instrumento da Bolsa e a utilizar abusivamente o aparelho de Estado e a sociedade como meios de enriquecer”. (NIETZCHE, 2009, p.64).

A Polônia, país alinhado à União Soviética pelo Pacto de Varsóvia9 e pelo COMECON10, adotou em 1989 uma nova Constituição sob regime democrático e em 2004 foi aceita como Estado membro da União Europeia11. Semelhante destino seguiu a Romênia, que após revolução e a queda do ditador Nicolae Ceauşescu em dezembro de 1989, iniciou a transição para a democracia e para a economia capitalista, sendo admitida à União Europeia em 200712. Nesse sentido, conforme Sayad (1998), os direitos laborais reconhecidos aos trabalhadores estrangeiros em igualdade com os trabalhadores nacionais, podem significar um importante afluxo de capitais nos países de emigração; são direitos

que parecem voltar aos países de origem dos emigrados, que parecem tratar diretamente de sua economia ou, mais exatamente, que se convertem em interesses diretos para as economias desses países, como é o caso, por exemplo, das convenções de seguro social e também de salário-família, de pensões e aposentadorias, ou seja, de tudo o que pode promover transferências sociais. (SAYAD, 1998, p. 236)

Muitos desses países são referidos no filme, o que demonstra a forte presença de imigrantes no Reino Unido provenientes de diversos países da Europa Oriental, como é o caso de Kosovo, Romênia, Ucrânia e Polônia. No entanto, nem todos esses imigrantes são oriundos de países membros da União Europeia, como os poloneses ou os romenos, condição esta que lhes confere o passaporte e a documentação adequada e, portanto, uma situação regular para permanecer e trabalhar no Reino Unido, até o recente ato unilateral do Brexit.13

Eric Hobsbawm, ao discorrer sobre a globalização das migrações internacionais em massa, ressaltando o fluxo das economias pobres para as ricas, nos lembra que a escala é grande, tendo esse movimento sido acelerado na entrada do século XXI, em que se registrou cerca de 4,5 milhões de pessoas adentrando nos países da União Européia, pelo que conclui que “a fantástica cosmopolitização das grandes cidades dos países ricos é uma consequência visível”. (HOBSBAWN, 2007, p. 89-90).

Como conseqüência, a imigração, segundo Sayad (1998, p.106), acabou por constituir-se em sistema dotado de “uma lógica própria, porque tem seus efeitos e suas causas próprias, bem como suas condições quase autônomas de funcionamento e de perpetuação”, no qual a mão de obra imigrante “deixou há muito tempo de ser apenas uma mão de obra complementar para tornar-se uma mão de obra estrutural, uma mão de obra de substituição”. Verifica-se, assim, que os pressupostos keynesianos, igualitários, voltados para o “projeto construção de uma sociedade mais justa começaram a desmoronar no fim do século” (SASSEN, 2016, p. 252).

O filme, portanto, desenvolve a temática da exploração do trabalho de imigrantes em um mundo globalizado sob dois vieses, a saber: o do imigrante legal e o do imigrante em situação irregular, sendo que este último, por não possuir documentação adequada que o autorize a permanecer e a trabalhar em território estrangeiro, acaba por viver na clandestinidade, em condições ainda mais precárias que aquelas vividas pelos imigrantes legais, pois a possibilidade de iminente deportação e o temor das consequências advindas da ilegalidade, o deixa mais vulnerável à situações exploratórias e à margem de direitos fundamentais básicos. Nota-se ainda, conforme apresentado no filme, que no grupo de imigrantes ilegais estão abarcados igualmente aqueles provenientes de outras partes do mundo, como Brasil, Afeganistão, Irã e Iraque.

No transcorrer do filme, a protagonista Angie e sua amiga Rose iniciam as atividades promovendo o recrutamento tão somente dos candidatos que estejam com a documentação legalizada, muito embora elas mesmas não o estejam em relação ao próprio empreendimento, pois não recolhem as taxas legais exigidas para o exercício da atividade. Paulatinamente, a dupla acaba cedendo às facilidades de explorar a atividade às margens da lei, corrompendo-se em situações imorais até atingir a transgressão legal, pois as amigas terminam recrutando imigrantes em situação irregular e comercializando passaportes e documentos falsos por perceberem a maior rentabilidade desse negócio. Ou seja, Angie e Rose passam da irregularidade administrativa pela ausência de recolhimento de taxas e tributos, relacionados ao exercício da atividade, ao tráfico internacional de pessoas, na medida em que terminam promovendo o recrutamento de trabalhadores imigrantes, facilitando a chegada em território estrangeiro através de documentos falsos e de promessas de emprego na localidade de destino.

O dilema moral nessa trajetória é claramente mostrado no filme pela atuação conflituosa das amigas nas diversas tomadas de decisão. Enquanto Rose pondera as decisões e teme represálias por um comportamento desonesto, Angie, impetuosa e impulsivamente, acredita no sucesso pessoal de suas ações transgressoras. O conflito moral parece ser resolvido ao final do filme quando elas se separam, Rose desiste, Angie sucumbe. Na lição de Hannah Arendt (2004):

A moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. O critério de certo e errado, a resposta à pergunta: “O que devo fazer”, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor nem de uma ordem de origem divina ou humana, mas do que decido com respeito a mim mesma. Em outras palavras, não posso fazer certas coisas porque, depois de fazê-las, já não serei capaz de viver comigo mesma. (ARENDT, 2004, p. 163)

Duas outras figuras importantes que aparecem no filme são Jamie, filho de onze anos de Angie, papel desempenhado por Joe Siffleet, e o pai de Angie. Estes personagens sinalizam o olhar de uma sociedade que imagina ser vítima desse movimento maciço migratório, bem como acredita estar alheia ao processo de exploração e alijamento social dos imigrantes.

O sofrimento da criança Jamie por ser estigmatizado no ambiente escolar, em razão de sua mãe ser chamada de corja da sociedade por desenvolver um trabalho indigno com trabalhadores imigrantes, é a leitura da intolerância pelo diferente e desvalido, o que se corrobora com a cena em que aparecem duas meninas iranianas, que vivem com seus pais na clandestinidade nos subúrbios de Londres e que não frequentam a escola – locus privilegiado para o sucesso de uma educação inclusiva - por receio de ações preconceituosas e retaliações étnicas, culturais e religiosas. Fazem-se invisíveis para serem toleradas. Os migrantes ocupam uma posição marginalizada, tanto em termos de identidade cultural e social, quanto no sentimento de não pertencimento a sua nova comunidade, onde, frequentemente, desponta a xenofobia e a intolerância.

Nesse sentido, Kant (2008, p. 37) ensina que deve ser garantido o “direito à hospitalidade” ao refugiado; o direito de o estrangeiro não ser tratado de forma hostil, como inimigo (hostis) mas, conforme Bauman (2017, p. 74), é imperiosa “a substituição da hostilidade pela hospitalidade”. Para tanto, é essencial que ocorra a integração local do migrante, sendo esse um processo complexo que irá abranger múltiplos fatores, dentre eles os socioeconômicos, os culturais e os políticos. (MIALHE, 2017, p. 54)

Ainda, há uma outra passagem do filme que mostra um diálogo emblemático entre Angie e seu pai, em que a protagonista procura justificar seu trabalho, alegando que se dedica ao máximo à sua atividade e que faz algo no mundo por esses trabalhadores imigrantes que passam fome, ao que seu pai lhe responde que preocupa-se com Jamie, seu neto, pois ele está prestes a atingir a vida adulta e logo terá que enfrentar a competição no mercado de trabalho por um salário de fome com quem veio de Kosovo ou da Romênia, ameaçando tirar postos de trabalho dos nacionais, e acusa Angie, sua filha, de não pagar aos seus trabalhadores recrutados um salário mínimo. Neste momento, Angie, indignada, desabafa “daqui a pouco o aquecimento global vai ser minha culpa” e conclui “o mundo é grande e ninguém se importa”.

Neste diálogo, a reação da protagonista, bem como a preocupação externada por seu pai são sintomáticas de uma sociedade egoísta e individualista que reage à visibilidade dos imigrantes tão somente porque as consequências dessas presenças parecem atingir suas próprias vidas. Há uma clara demonstração de comportamentos xenofóbicos sendo alimentados entre os nacionais.

Zygmunt Bauman, ao discorrer sobre a presença de imigrantes que chegam em território estrangeiro para acirrar ainda mais a competição no mercado de trabalho com os nacionais do local, menciona que neste processo “o resultado é a rivalidade, a individualização, a progressiva erosão dos laços comunais, levando à vulnerabilidade e ao desmantelamento de coletividades integradas”. Nessa dinâmica, segundo Bauman, suspende-se a obediência aos princípios morais, pelo que conclui que “estamos agora vivendo a maior parte do tempo num ressuscitado mundo hobbesiano de guerra de todos contra todos” (BAUMAN, 2017, p. 109).

A dialética das relações entre globalização, identidade nacional e xenofobia é analisada por Hobsbawm ao apontar que “a nova globalização de movimentos reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva” e que a xenofobia se faz presente na medida em que

a ideologia do capitalismo globalizado dos mercados livres, fracassou redondamente no estabelecimento da livre movimentação internacional da força de trabalho, [...] refletindo os cataclismos sociais e a desintegração moral do final do século XX e da época atual. (HOBSBAWM, 2007, p. 92).

Pertinente é a indagação de Hobsbawm (2007) ao questionar sobre qual o significado dos direitos e das obrigações de cidadania nos Estados em que uma proporção substancial dos residentes permanentes tem direitos inferiores aos dos nacionais. Neste ponto, mais uma vez é apropriada a observação de Bauman (2017) ao afirmar que “o efeito geral dessas e de outras acusações, depreciações e calúnias”, em relação aos migrantes econômicos é, em primeiro lugar, a sua desumanização. “A desumanização abre caminho à exclusão da categoria de seres humanos legítimos, portadores de direitos” (BAUMAN, 2017, p. 84).

Esse mesmo autor, citando novamente Kant, indaga sobre como viver em um planeta congestionado, que está atingindo o limite de sua capacidade de ocupação, senão pela hospitalidade universal, enquanto um direito cosmopolita? E transcreve o pensamento do filósofo:

não é uma questão de filantropia, mas de direito. Hospitalidade significa o direito que tem um estrangeiro de não ser tratado de forma hostil pelo fato de estar em território alheio. [...] tendo que se tolerar uns juntos aos outros, e não tendo ninguém originariamente mais direito que o outro de estar em um determinado lugar da terra. (BAUMAN, 2017, p. 73).

Resta claro a crítica que o diretor Ken Loach faz ao modo de vida capitalista e ao individualismo exacerbado em uma sociedade livre de preceitos morais e de parâmetros de regras de convivência solidária e cooperativa. A ironia do título do filme “Mundo Livre” se mostra na liberdade que pode ser traduzida pela completa ausência de regras sociais para uma convivência justa e pacífica. A liberdade do mundo, nos termos trazidos pelo diretor, enfatiza a insignificância de cada pessoa em uma sociedade capitalista global e a busca frenética e individualista por uma “vida melhor”, como bem foi representada no papel de Angie, a qual não deixa de ser vítima ao mesmo tempo em que é algoz na lógica perversa dessa sociedade.

Por outro lado, o filme “Mundo Livre” sugere, a contrário senso, a crescente perda da liberdade de cada indivíduo inserido em uma sociedade global, uma vez que o controle sobre o rumo das próprias vidas se esvai, dando espaço às sujeições cada vez mais intensas à situações exploratórias e precárias. Dito de outra maneira, não há liberdade de escolha, mas há sim sujeição ao que se apresenta. Como bem lembrou Christo (2002, p. 14), “o neoliberalismo, a partir do momento em que produziu a mercantilização do planeta, fechou as portas da utopia”. Hoje, de forma mais urgente que no passado, assevera Wojtila (1999, p. 8), há necessidade de cultivar a consciência para os valores morais universais, a fim de enfrentar os problemas do presente, cuja característica comum é a dimensão mundial que vão assumindo, como a tutela das minorias étnicas e dos migrantes. Deve-se encontrar o caminho para discutir, com uma linguagem compreensível e comum, os problemas postos pelo futuro do homem. O fundamento deste diálogo é a lei moral universal, conforme o imperativo categórico kantiano: “Age sempre segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1980, p. 129)

Nas palavras de Campilongo (1999),

se o sistema jurídico estivesse por conta da globalização, se confundindo com a imposição da lei do mais forte, com os procedimentos financeiros ou com as práticas comerciais internacionais, ou seja, com o sistema econômico, não haveria razão para que continuasse sendo chamado de direito ou para que se distinguisse da economia (...) reduzir o direito à economia ou à política é sucumbir a formas difusas de autoritarismo. (CAMPILONGO, 1999, p. 92)

A sociedade internacional, assinala Mialhe (2008, p. 234), tem necessidade de orientação ética que subordine a economia à política, por intermédio, inclusive, de um ordenamento jurídico internacional eficaz e inequívoco, limitador do laissez-faire sans frontières no mundo globalizado. Seus problemas exigem soluções que só podem emanar das autoridades públicas cujos poderes, constituição e meios de ação alcançam dimensões mundiais, principalmente no âmbito das Organizações Internacionais e, no caso em tela, da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

4 DIÁLOGO COM O DIREITO A PARTIR DE FONTES NORMATIVAS INTERNACIONAIS

A questão migratória é atualmente um tema que está na pauta das agendas de muitos países e, como um fenômeno global, deve ser enfrentada sob uma ótica de soluções igualmente globais. Isso significa dizer que não é um problema específico de um determinado país, mas algo generalizado que demanda a busca de soluções harmonicamente integradas no plano jurídico internacional. Partindo dessa premissa, é oportuno destacar o conjunto de normas internacionais, correlatas à temática das migrações, as quais ditam as diretrizes e sinalizam caminhos convergentes na busca de soluções para se atingir a justiça mundial.

Em 1944, atentos à realidade perversa das relações de trabalho no sistema capitalista e às distorções nele produzidas, os delegados da OIT adotaram a Declaração de Filadélfia, que constitui a carta de princípios e objetivos da OIT. Nela, foi reafirmado o princípio de que o trabalho humano não é uma mercadoria.

Assim, de acordo com o parágrafo primeiro da referida Declaração, as premissas sobre as quais se intenta alcançar a justiça social referem-se, dentre outras, às idéias de que o trabalho humano não pode ser considerado ou tratado como uma mercadoria, de que a penúria constitui um perigo para a prosperidade geral e de que a luta contra a carência deve ser um esforço internacional contínuo e conjugado para o bem comum. A partir dessas premissas, a Declaração de Filadélfia reafirma que “todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranquilidade econômica e com as mesmas possibilidades”14. Reafirma, ainda, que qualquer política nacional ou internacional deve ter como principal objetivo viabilizar o exercício do referido direito, sendo certo que quaisquer planos e medidas adotados devem ser feitos e aceitos em vista da realização desse objetivo principal.

Diante de tais premissas, é evidente que a OIT condena a coisificação do homem, na medida em que repudia as relações de trabalho que se assentem em condições exploratórias, aquém do patamar mínimo exigido para a dignidade de qualquer trabalhador. Neste sentido, é oportuno o entendimento de Fábio Konder Comparato (2001) ao considerar que

a transformação das pessoas em coisas [...] realizou-se com o desenvolvimento do sistema capitalista de produção. [...] enquanto o capital é personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no processo de produção. (COMPARATO, 2001, p. 23).

Ao lado da Declaração de Filadélfia, a OIT adotou em 1998 a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho15, na contínua convicção de que a justiça social é basilar para a paz universal e de que a OIT possui a função primordial de promover políticas sociais, através de sua produção normativa, de cooperação técnica e de investigação em todos os âmbitos de sua competência. Para tanto, a Declaração de 1998 é pautada pela observância de quatro objetivos estratégicos, quais sejam: o respeito aos direitos no trabalho, a promoção do emprego, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social. Significa, também, condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável16.

A partir de oito convenções que foram consideradas fundamentais para a Organização Internacional do Trabalho17, foi elaborado um conjunto de direitos e princípios fundamentais da OIT que compõe as denominadas “core obligations”, ou seja, diretrizes fundamentais que norteiam toda a atuação da própria OIT e de todos os Estados Membros que a integram. As “core obligations” representam os mencionados objetivos estratégicos e significam verdadeiramente novas fronteiras para o direito do trabalho associadas à dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, a Declaração de 1998 enfatiza o compromisso de cada Estado Membro da OIT observar e implementar os princípios e os direitos fundamentais nas relações do trabalho, na medida em que declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as oito convenções inseridas nas “core obligations”, têm, mesmo assim, a obrigação de respeitar, promover e tornar realidade os princípios e direitos fundamentais mencionados anteriormente, dentre os quais a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, de tal sorte que cada Estado Membro, independentemente de ter ratificado ou não uma determinada Convenção da OIT, está atrelado ao cumprimento de seus objetivos, enquanto parte da Organização.

Dentre as Convenções elencadas no âmbito das “core obligations”, faz-se um destaque especial à Convenção 111, de 1958, que trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação, a qual considera discriminação “toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, sexo, cor, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”18.

Nota-se que todo Estado Membro signatário da Convenção 111 deve conduzir sua política nacional para o fim de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, buscando a eliminação de toda discriminação nessa seara. Para tanto, e observadas as circunstâncias e os usos nacionais, a atividade legiferante do Estado Membro há que ser direcionada para a consecução desse objetivo, seja promulgando leis, seja revogando ou modificando disposições legais que atentem contra essa política. Os Estados Membros da OIT devem seguir na busca da compatibilização entre a normativa internacional, com a qual concordaram, e as respectivas normativas nacionais, no intuito de reconhecerem e aprimorarem progressivamente os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores em seus territórios.

Em que pesem os esforços da Organização Internacional do Trabalho no plano jurídico internacional, é certo que ainda persiste na atualidade formas aviltantes de tratamento do trabalhador, reduzindo-o à condição de mera coisa quantificável na relação de trabalho, na medida em que, a partir de uma situação de vulnerabilidade, explora-se a força de trabalho sem que haja a contrapartida adequada, ou seja, sem deferimento dos direitos sociais fundamentais reconhecidos a qualquer trabalhador, deixando-o, portanto, aquém do patamar mínimo de uma existência digna. Neste sentido, há uma clara correspondência entre o preconizado pela Convenção 111 e o trabalho de imigrantes tomado em diversos países, tal como mostrou no filme “Mundo Livre” uma parcela de imigrantes que chegam em território inglês, atraídos por promessas de trabalho e ali permanecem jungidos pela necessidade e pela busca de sobrevivência mais digna, submetendo-se, a partir de sua vulnerabilidade, a relações laborais calcadas na discriminação e na exploração, com desrespeito aos direitos básicos sociais.

Neste contexto, há que se mencionar também a importante Convenção 143 da Organização Internacional do Trabalho, de 1975, a qual dispõe sobre as imigrações efetuadas em condições abusivas e sobre a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento dos trabalhadores migrantes. Referida Convenção determina a necessidade de cada Estado Membro da OIT, que a tenha ratificado, de averiguar sistematicamente a presença de imigrantes empregados ilegalmente em seu território nacional e que estejam sendo submetidos, seja na deslocação migratória, seja na chegada ou estada no destino ou durante a relação de emprego, a condições contrárias àquelas previstas nos instrumentos internacionais aplicáveis e na legislação nacional. Há notável preocupação em coibir as práticas abusivas relacionadas ao movimento migratório, consistentes no tráfico de mão de obra e na exploração de seu emprego ilegal.

A Convenção 143 representa importante instrumento de combate às práticas ilícitas relacionadas à questão migratória, sendo certo que a forte presença de imigrantes que diuturnamente são submetidos à exploração laboral e têm suprimidos seus direitos sociais fundamentais e sua dignidade humana justifica a obrigação de cada Estado Membro da OIT em fazer cumprir seus princípios e objetivos a teor do que dispõe a Declaração de Filadélfia, bem como a Declaração de 1998, anteriormente referidas, ainda que eventualmente algum dos Estados Membros não tenha ratificado tal Convenção.

É indubitável que a Convenção 143 enuncia a tendência da Organização Internacional do Trabalho de promover a defesa dos imigrantes, reconhecendo a eles os direitos trabalhistas básicos, independentemente da situação migratória em que se encontrem, regular ou irregular. Assim, dispõe o artigo 9º da Convenção que “nenhuma disposição da presente Convenção impedirá os Estados Membros de conceder às pessoas que residem ou trabalham ilegalmente no país o direito de nele permanecerem ou serem legalmente empregadas”.19

A preocupação da OIT em buscar soluções para a questão da situação migratória de tantos trabalhadores está externalizada no Protocolo Adicional e na Recomendação Acessória, ambos de 2014, à Convenção 29 da OIT, que compõe as “core obligations”. Tanto o Protocolo como a Recomendação significam a reafirmação do marco legal internacional de combate à exploração do trabalho de que são vítimas tantos imigrantes.

Trata-se da busca pelo trabalho decente que a OIT intenta alcançar através de seus objetivos estratégicos e que, de acordo com Brito Filho (2004), pode ser definido como aquele em que se realiza “um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde à existência de trabalho, à liberdade de trabalho, à igualdade no trabalho, ao trabalho com condições justas que possam preservar sua saúde e segurança, incluindo a remuneração, à proibição do trabalho infantil, à liberdade sindical e a proteção contra os riscos sociais” (BRITO FILHO, 2004, p. 61).

Sobre trabalho decente, a OIT, em 1999, formalizou o seu conceito como uma síntese da sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. De acordo com a OIT, o trabalho decente significa o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos por ela traçados, sintetizados na atuação integrada da OIT com os Estados membros.

Com vistas a enfatizar os princípios e os objetivos estratégicos da OIT, em 2008 foi adotada a Declaração da OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa. Nessa Declaração, a OIT, considerando um contexto mundial marcado por mudanças aceleradas, reforça a necessidade de que cada Membro direcione seus compromissos e esforços no sentido de colocar em prática o mandato constitucional da Organização, em busca do trabalho decente como elemento central de suas políticas econômicas e sociais. Para tanto, há que se ter constantemente em vista a perseguição dos objetivos estratégicos da OIT, com base nos quais a agenda do trabalho decente se articula.20

Nos termos do parágrafo 1, item B, da referida Declaração de 2008, os objetivos estratégicos da OIT são indissociáveis, interdependentes e se reforçam mutuamente, devendo haver uma estratégia global e integrada da Organização em prol do trabalho decente, sendo a não discriminação uma questão que permeia todos os seus objetivos estratégicos. Nesse contexto de busca de uma globalização equitativa, reitera a OIT a afirmação de que os Estados membros devem assumir a responsabilidade fundamental de contribuir, mediante suas políticas econômicas e sociais para a realização da justiça social de forma global e integrada, colocando em prática os objetivos estratégicos da Organização, o que necessariamente inclui a agenda do trabalho decente. Os apontamentos e considerações feitos em relação à OIT demonstram de forma inequívoca a importante contribuição dessa Organização no cenário internacional para enfrentamento e busca de soluções efetivas quanto à problemática ora apresentada.

Ao lado do conjunto normativo produzido no âmbito da OIT, há, no sistema global de proteção dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas, outros instrumentos internacionais fundamentais para o reconhecimento e proteção dos direitos dos imigrantes, incluindo aqueles em situação irregular. Dentre esses instrumentos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948, os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, e a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 devem ser inicialmente destacados. Ressalte-se, são instrumentos dos quais se extrai normas gerais para o alcance de uma existência digna, o que, por óbvio, exige de cada Estado em particular e de forma concomitante a união de esforços para implementar políticas e realizar a produção de normas que venham ao encontro das diretrizes apresentadas por esse sistema global de proteção dos direitos humanos.

Assim, a IX Conferência Internacional Americana e a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamaram, em 1948, que a dignidade da pessoa humana deve ser o fundamento para se alcançar a justiça mundial, lançaram o reconhecimento de direitos básicos do homem, como um ideal a ser perseguido progressivamente no âmbito nacional de cada Estado, bem como na esfera internacional. Elencaram, dessa forma, logo nos seus artigos primeiro e segundo, os princípios da igualdade e liberdade de todas as pessoas, as quais nascem livres e iguais em dignidade e respeito e enfatizam que todas as pessoas devem ter igual proteção da lei sem qualquer discriminação.

O trabalho é um direito e um dever previstos nos artigos XIV e XXXVII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; no artigo 23 da Declaração Universal de Direitos Humanos e nos artigos 6º. e 7º. do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

O outro destaque importante a se fazer quanto ao sistema global de proteção dos direitos humanos é a Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, adotada consensualmente em plenário pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos.

A contribuição dessa Declaração refere-se à ênfase trazida em seu artigo 5º de que as especificidades nacionais e regionais, bem como os diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos, não devem traduzir-se em impedimentos para a promoção e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de quaisquer sistemas políticos e econômicos vigentes em cada Estado. No que tange à questão migratória ora apresentada, a Declaração de 1993 ressalta como destinatários da proteção de direitos humanos os grupos de pessoas que se tenham tornado vulneráveis, incluindo expressamente os trabalhadores migrantes. A eles, deve-se garantir a eliminação de todas as formas de discriminação, reforçando a efetiva aplicação dos instrumentos existentes em matéria de direitos humanos21.

No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas, considerando os graves problemas humanos decorrentes da migração irregular e a necessidade de adoção de medidas adequadas para assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores migrantes e considerando que dentre estes os indocumentados são frequentemente empregados em condições desfavoráveis de trabalho, adotou pela Resolução 45/158 da sua Assembleia Geral, em 1990, a Convenção Internacional sobre Proteção de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, a qual prevê a garantia dos direitos nela elencados22 para todos os trabalhadores migrantes sem distinção de qualquer natureza.

O conjunto normativo internacional, ora apresentado, no âmbito da OIT, da ONU e da OEA correlato à questão dos trabalhadores e migrantes traz subsídios importantes para a compreensão da realidade global, tal como mostrada no filme “Mundo Livre”. O alcance da paz mundial e da justiça social passa necessariamente pelo cotejamento da diretriz internacional de proteção dos direitos dos migrantes com a própria normativa interna de cada Estado, a qual deve estabelecer um diálogo harmônico e efetivo com as fontes internacionais, sob pena de permanecermos em um discurso inócuo de proteção dos direitos humanos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O deslocamento humano de milhares de trabalhadores que deixam seus países de origem em busca de melhores condições de vida em localidades onde há centros econômicos mais prósperos é uma realidade irreversível no contexto de um mundo globalizado. Expressiva parcela desses imigrantes econômicos, na perspectiva de encontrar empregos dignos, acaba por ser deparada com situações de absoluta exploração e hostilidade, cuja marginalização e submissão à precariedade são quase inevitáveis.

O filme “Mundo Livre”, ao retratar essa realidade, denuncia, de forma enfática, o individualismo levado a consequências extremas e a carência de valores éticos e solidários que permeiam as relações sociais e laborais estabelecidas entre os diversos trabalhadores imigrantes e os nacionais do local, situações estas facilmente percebidas em sociedades capitalistas globalizadas, cujos valores liberais preponderam diante de um estratégico recuo do Estado nas questões sociais.

Há, entretanto, na seara jurídica internacional, clara preocupação em construir e assegurar um ambiente protetivo de respeito e promoção dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais aos trabalhadores imigrantes desvalidos. Essa preocupação, expressada nos diversos instrumentos legais no âmbito da OIT e da ONU, demanda não somente o reconhecimento e a incorporação da normativa internacional pelos Estados, mas principalmente e fundamentalmente sua aplicação harmônica e convergente com as respectivas legislações nacionais, sob pena desses instrumentos constituírem apenas material para o exercício de uma retórica cínica e estéril. Sem esse esforço, o que acabará restando, como de fato resta na atualidade, é a existência de um conjunto de normas potencialmente transformadoras da condição aviltante em que se encontram muitos trabalhadores imigrantes, mas que não avançam na vida prática dessa população, desembocando em situações de inefetividade de direitos23.

Não resta, pois, outra alternativa senão o enfrentamento da questão migratória pelo caminho da solidariedade e da cooperação, enxergando os indivíduos como pessoas essencialmente interdependentes, em especial num mundo globalizado no qual vivemos. Somente a convivência pacífica de uns com outros, frente às intermináveis diferenças, é que pode trazer a perspectiva do alcance real da justiça social e do bem-estar da sociedade, sem o que, não há como se conciliar interesses divergentes como os que naturalmente existem e estão na essência de qualquer sociedade plural e democrática.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Algumas Questões de Filosofia Moral. In: ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, p.112-212, 2004.

BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à Nossa Porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

BIDELEUX, Robert; JEFFRIES, Ian. A History of Eastern Europe: crisis and change. 2. ed. Londres: Routledge, 2007.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, 4. ed. Brasília, UnB, 1992.

BRASIL. MJ. CONARE. Sistema de Refúgio Brasileiro: desafios e perspectivas. Disponível em: <https://www.slideshare.net/justicagovbr/sistema-de-refgio-brasileiro-balano-at-abril-de-2016>. Acesso em: 30 mar. 2018.

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2004.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Teoria do direito e globalização econômica. In: Carlos Ari Sundfeld; Oscar Vilhena Vieira (coords.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999.

CHRISTO, Carlos Alberto Libânio. (Frei Betto). Veja, ed. 1.782, ano. 35, n. 50, p. 14, dez. 2002.

COE. Conselho da Europa. Convention Européenne Relative au Statut Juridique du Travailleur Migrant, nov. /1977. Disponível em: <https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/ /conventions/rms/090000168007732b>. Acesso em: 06 jan. 2018.

COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

CORTEN, Olivier; DUBISSON, François. (dir.) Du Droit International au Cinema. Paris: Pédone, 2015.

ESTEVES, Ana Camila. Espectatoriedade cinematográfica e a experiência ficcional nos filmes baseados em fatos reais. Razón y Palabra, 2010, 15. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=199516111059 ISSN 1605-4806>. Acesso em: 23 out. 2017.

FABRE, Luiz Carlos Michele (org). Vade Mecum. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: Orgânica, 2013.

FARET, Laurent. Movilidades migratórias contemporâneas y recomposiciones territoriales: perspectivas multi-escala a partir del caso México-Estados Unidos. In Flores, Sara (coord). Migraciones de trabajo y movilidade territorial. Cidade do Mexico: CONACYT e Miguel Angel Porrúa, p. 81-98, 2010.

FREITAS, Patrícia Tavares de. Imigração boliviana para São Paulo e setor de confecção em busca de um paradigma analítico alternativo. In: Baeninger, Rosana. (org). Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População – NEPO/UNICAMP; Fapesp; CNPq; Unfpa, p. 155-174, 2012.

GIDDENS, Anthony; SUTTON, Philip W. Conceitos essenciais da sociologia. 2. ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2015.

HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa. São Paulo: Ed. UNESP, 2012.

HERRERA, Carlos Miguel. Estado, constituição e direitos sociais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas, SP, n. 28, p. 127-144, jan./jun. 2006.

HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

_____. Mundos do trabalho: novos estudos sobre a história operária, 6. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2015.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Tania Maria Bernkopf. Coleção “Os pensadores”, São Paulo: Abril Cultural, 1980.

_____. À paz perpétua. Tradução e prefácio de Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2008.

MARIA, Cristiane Toledo. O cinema de Ken Loach e a refuncionalização de materiais estético-políticos. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

MISAILIDIS, Mirta Lerena; BOARETTO, Laira Beatriz. Os direitos fundamentais dos trabalhadores imigrantes no Mercosul: os excluídos socioeconômicos do bloco regional. In: BRAVO, Álvaro Sanchez; MISAILIDIS, Mirta Lerena (orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Verbatim, p. 179-194, 2012.

MIALHE, Jorge Luís. A naturalização dos refugiados. In: Alvaro Sanchez Bravo e Jorge Luís Mialhe (orgs.) Refugiados e migrações no século XXI: direitos fundamentais e relações internacionais. Belo Horizonte: Arraes, p.49-60, 2017.

_____. Relações internacionais e Direito internacional numa sociedade globalizada: breves anotações. Verba Juris, João Pessoa: UFPB, ano 7, n. 7, p. 205-240, jan./dez. 2008.

MISAILIDIS, Mirta Gladys Lerena Manzo de. Convergências e assimetrias nas relações coletivas de trabalho nos países do Mercosul. In: CECATO, Maria Aurea Baroni; CARDONA RUPERT, Maria Belén (orgs.). Direito Social na União Europeia e MERCOSUL: emprego e inserção sociolaboral. João Pessoa: UNIPÊ, 2009.

MELO, Luiz Antonio Camargo de; BRASILIANO, Cristina Aparecida Ribeiro; MORENO, Jonas Ratier; FABRE, Luiz Carlos Michele. O novo direito do trabalho: a era das cadeias produtivas: uma análise do Protocolo adicional e da Recomendação acessória à Convenção 29 da OIT sobre trabalho forçado ou obrigatório. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, Cuiabá: UFMT, Ano 1, n. 1, p. 311-335, jul/dez 2015.

MODELLI, Laís. “Migração não é caso de polícia”: Grupos pedem reformulação de lei brasileira sobre estrangeiros. BBC Brasil, 23 out. 2016. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37444790>. Acesso em: 30 mar. 2018.

NIETZCHE, Friedrich. O Estado entre os gregos. In: Friedrich Nitzche. Escritos sobre Direito. Genealogia da Justiça e do Direito. Rio de Janeiro: Ed. PUC Rio/Loyola. p.53-164, 2009.

OEA. Organização dos Estados Americanos. Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence>. Acesso em: 09 jan. 2018.

OIT. Organização Internacional do Trabalho. Perfil do trabalho decente no Brasil: um olhar sobre as unidades da federação, 2012. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/indicadorestdnovo_880.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2018.

OLIVEIRA, Fabíola Cristina Ribeiro de. Da revolução iraniana ao refúgio na França: a reconstituição de um passado recente por meio do filme “Nós ou nada em Paris”. Piracicaba: GERM/UNIMEP, p. 24, 2017.

PADOVANI, Daniela Wernecke; MISAILIDIS, Mirta Gladys Lerena Manzo de. Imigrantes indocumentados e a inefetividade de seus direitos fundamentais trabalhistas. In: MISAILIDIS, Mirta Gladys Lerena Manzo de; PESSANHA, Vanessa Vieira. (coords.) Direito do trabalho e meio ambiente do trabalho I. XXV Congresso do CONPEDI - UNICURITIBA. Florianópolis: CONPEDI, p. 169-184, 2016.

PORTES, Alejandro; SASSEN-KOOB, Saskia. Making it underground: comparative material on the informal sector in Western Market economies. American Journal of Sociology, ano 93, p. 30-61, 1987.

RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

______. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

RIBEIRO, B.C. Trabalho e gestão através do cinema. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Marília: Universidade Estadual Paulista - UNESP, Faculdade de Filosofia e Ciências, p. 132, 2013.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração. São Paulo: EDUSP, 1998.

União Européia. Tratado da União Européia (Maastricht, 1992). Versão consolidada (Lisboa, 2007). Mensagem para a celebração do XXXIII dia Mundial da Paz de 01 de janeiro de 2000. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_08121999_xxxiii-world-day-for-peace.html>. Acesso em: 09 jan. 2018.

UNIÃO EUROPÉIA. EUROSTAT. Estatísticas da migração e da população migrante. Disponível em: <http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Migration_and_migrant_population_statistics/pt>. Acesso em: 30 mar. 2018.

WOJTYLA, Karol Jósef. (Papa João Paulo II). Mensagem para celebração do XXXIII Dia Mundial da Paz de 01 de janeiro de 2000. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_08121999_xxxiii-world-day-for-peace.html>. Acesso em: 09 jan. 2018.

11 Doutoranda da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - FDUSP. Mestra em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bacharel em Direito pela FDUSP. Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Refugiados e Migrações - GERM/UNIMEP. Advogada. E-mail: daniela@werneckepadovani.com.br

22 Professor da Universidade Estadual Paulista – UNESP e do Curso de Mestrado em Direito da UNIMEP. Doutor, mestre e bacharel pela USP. Pós-doutorado pelas Universidades de Paris e de Limoges. Líder do GERM/UNIMEP. E-mail: profmialhe@hotmail.com

3 De acordo com Giddens e Sutton (2015, p. 213), cultura é o “modo de vida, incluindo conhecimento, hábitos, regras, leis e crenças, que caracteriza determinada sociedade ou determinado grupo social”.

4 Laís Modelli (2016) divulgou dados da Polícia Federal apontando que o número de imigrantes registrados no Brasil aumentou em 160% desde 2006. Somente no ano de 2015, 117.745 estrangeiros deram entrada no país. No ano de 2014 houve a maior entrada de 119.431 imigrantes. De acordo com o CONARE, desde o início do conflito na Síria, 3.772 nacionais daquele país requisitaram refúgio no Brasil. No período 2010-2016, foram reconhecidas 9.552 solicitações de refúgio. Apenas em 2016, foram realizados 3.375 pedidos de refúgio de venezuelanos (cerca de 33% das solicitações totais registradas no país naquele ano), seguidos de 1.370 solicitações de cubanos; 1.353 requerimentos de angolanos; 646 pedidos de haitianos; 391 solicitações de sírios; 382 requerimentos de congoleses; 326 pedidos de nigerianos; 322 solicitações de chineses, dentre outras nacionalidades. Dados disponíveis em: <https://www.slideshare.net/justicagovbr/sistema-de-refgio-brasileiro-balano-at-abril-de-2016>. Acesso em: 30 mar. 2018.

5 É necessário lembrar que o filme foi produzido antes do plebiscito do Brexit (23/06/2016) e do início do processo de negociação de denúncia do Tratado da União Europeia (Maastricht, 1992) pelo Reino Unido, conforme previsto no art. 50 da versão consolidada do Tratado (Lisboa, 2007): “1. Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União. 2. Qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do nº. 3 do artigo 218º do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu. 3. Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no nº 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo. 4. Para efeitos dos nºs. 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que representa o Estado-Membro que pretende retirar-se da União não participa nas deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito. A maioria qualificada é definida nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 238º do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia. 5. Se um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, é aplicável a esse pedido o processo referido no artigo 49º”.

6 A lista das ratificações pode ser consultada no site do Conselho da Europa - COE, disponível em: <https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/conventions/treaty/093/signatures?p_auth=8glEVxJz>. Acesso em: 06 jan. 2018.

7Fonte:<http://pt.knoema.com/atlas/topics/Demografia/Popula%C3%A7%C3%A3o/Taxa-l%C3%ADquida-de-migra%C3%A7%C3%A3o?baseRegion=TR>. A partir de 2016, ocorreu uma discreta reversão do fluxo de emigrantes espanhóis em relação aos anos de 2010 a 2015, conforme dados disponíveis em: <https://www.statista.com/statistics/445930/migration-flow-in-spain/>. Acesso em 06 jan. 2018.

8 A experiência britânica de utilização do contrato de zero hora foi encampada pelo Brasil na recente reforma trabalhista, cuja Lei 13.467/2017, já aprovada, encontra-se em vigor desde novembro de 2017. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, em Contrato de Trabalho Intermitente, de 08/06/2017, o contrato de trabalho intermitente favorece o empregador, na medida em que transfere a este o controle da força de trabalho, diminuindo os custos e encargos trabalhistas. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/outraspuplicacoes/2017/contratoItermitente.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2017.

9 Aliança militar constituída pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, assinado em Varsóvia em 14 de maio de 1955 pela Albânia, Bulgária, Hungria, RDA, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e URSS. O Pacto de Varsóvia foi estabelecido como uma balança de poder e uma resposta à adesão da RFA à OTAN. Complementou militarmente o COMECON (vide nota 10 infra), alinhando esses países socialistas, estabelecendo um compromisso de ajuda mútua em caso de agressões militares e legalizando a presença de milhões de militares da URSS nos países do leste europeu desde 1945. O Tratado, com textos oficiais em russo, polonês, tcheco e alemão, foi extinto em 25 de fevereiro de 1991, e está disponível em: <https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%20219/volume-219-I-2962-Other.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2017.

10 Conselho para Assistência Econômica Mútua foi constituído em 1949 e extinto em 1991 com a dissolução da URSS. Conforme Bideleux e Jeffries (1998, p.534), o COMECON foi a resposta soviética ao Plano Marshall, que visava apoiar a reconstrução econômica da Europa Ocidental. Tinha como objetivo a cooperação econômica, científica e técnica visando a integração econômica dos países do Leste Europeu, sob o controle da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Estados-membros: URSS, RDA (1950-1990), Tchecoslováquia, Polônia, Bulgária, Hungria e Romênia. Posteriormente, outros países socialistas juntaram-se ao COMECON: Mongólia (1962), Cuba (1972) e Vietnã (1978).

12 Disponível em: <http://brasilia.mae.ro/pt>. Acesso em: 05 jul. 2017.

13 Dados estatísticos de 2015 da União Europeia (EUROSTAT) sobre migração e população migrante, revelaram que “a Alemanha comunicou o maior número total de imigrantes (1.543.800) em 2015, seguida do Reino Unido (631.500), da França (363.900), da Espanha (342.100) e da Itália (280.100). Em 2015, a Alemanha comunicou o número mais elevado de emigrantes (347.200), seguida da Espanha (343.900), do Reino Unido (299.200), da França (298.000) e da Polônia (258.800). Em 2015, um total de 17 dos Estados-Membros da UE comunicou uma imigração superior à emigração, mas na Bulgária, Irlanda, Grécia, Espanha, Croácia, Chipre, Polônia, Portugal, Romênia, Letônia e Lituânia, o número de emigrantes superou o de imigrantes”.

14 Disponível em: <http://www.ilo.org/public//portugue/region/ampro/brasilia/info/download/constituicao_oit.pdf .> Acesso em: 23 out. 2017.

16 OIT. Perfil do trabalho decente no Brasil: um olhar sobre as unidades da Federação, 2012. Relatório da OIT disponível em http://www.oit.org.br/node/876> Acesso em: 15 de dez. de 2016.

17 As oito Convenções da Organização Internacional do Trabalho, que compõem as “core obligations” são: as Convenções 87 e 98 que tratam da questão da liberdade sindical; as Convenções 29 e 105, referentes à proibição de trabalhos forçados; as Convenções 138 e 182, que dizem respeito à erradicação do trabalho infantil e as Convenções 100 e 111, relativas ao combate à discriminação. Disponível em: http://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf

22 Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, conforme artigo 7º “Os Estados Partes comprometem-se, em conformidade com os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção para todos os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade, idade, posição econômica, patrimônio, estado civil, nascimento ou de qualquer outra situação.” e artigo 11 “ 1. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será mantido em escravatura ou servidão; 2. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família poderá ser compelido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório.” Disponível em <www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/...da.../2014_11685.pdf> Acesso em: 23 abr. 2017.

23 A questão da efetividade de direitos sociais dos imigrantes demanda outra discussão em profundidade que não cabe no presente artigo, pois extrapolaria o escopo e o objeto de análise deste estudo.