A EVOLUÇÃO DO PROJETO F-X EM F-X2: A
DISPUTA DE EMPRESAS TRANSNACIONAIS EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PARA A VENDA DE
CAÇAS SUPERSÔNICOS COM IRRESTRITA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA PARA O BRASIL
THE EVOLUTION OF THE F-X PROJECT IN F-X2:
THE DISPUTE OF TRANSNATIONAL COMPANIES IN A BIDDING PROCEDURE FOR THE SALE OF
SUPERSONIC FIGHTERS WITH UNRESTRICTED TRANSFER OF TECHNOLOGY FOR BRAZIL
Recebido:
25.07.2017
Aprovado:
21.10.2017
Roberto
Vinícius Hartmann[1]
Luís Alexandre
Carta Winter[2]
RESUMO: Utilizando-se o método histórico dedutivo, o presente artigo traz a ideia
de que os investimentos a serem realizados para a promoção da defesa nacional
caracterizam-se como políticas públicas que devem ser implementadas pelo
governo. Sob essa perspectiva é que teve início no ano de 2000 um Plano de
Fortalecimento de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro, dentro do qual havia o
projeto denominado de F-X, que consistia na aquisição de caças para a Força
Aérea Brasileira (FAB). Referido projeto, após idas e vindas, acabou sendo
relançado com a titulação de F-X2, em que se destacava que para a aquisição de
caças supersônicos, a empresa vencedora do procedimento licitatório deve fazer
a transferência irrestrita de tecnologia. Além disso, é feita uma análise sobre
as empresas transnacionais e como ocorre a sua atuação para além das fronteiras
do Estado de origem, evidenciando-se a sua relação com o projeto F-X2. Portanto,
há que se ressaltar a utilização do método dedutivo para a realização do
presente estudo.
Palavras-chave: Políticas públicas. Projeto F-X. Projeto F-X2. Transferência de
tecnologia. Empresa transnacional.
ABSTRACT: Through the historical deductive method, this article presents
the idea that the investments to be made for the promotion of national defense
are characterized as public policies that should be implemented by the
government. From this perspective it is that began in 2000 a Plan of Brazilian
Airspace Control Strengthening, within which was the project called F-X, which
consisted of the acquisition of fighter aircraft to the Brazilian Air Force
(FAB). This project, after going back and forth, eventually being re-released
with the titration F-X2, where stood out that for the purchase of supersonic
fighters, the winner of the bidding procedure should the unrestricted transfer
of technology. In addition, an analysis is made on transnational companies and
how is its performance beyond the State’s borders, demonstrating their
relationship with the F-X2 project. Therefore, it is worth noting the use of
the deductive method for the realization of this study.
Keywords: Public policies. Project F-X. Project F-X2. Transfer of technology. Transnational companies.
INTRODUÇÃO
Os Países, de modo geral,
protegem seus territórios, contra ameaças externas. Essa proteção decorre de
uma política de defesa, consistente em leis e medidas concretas, tais como
fabrico e/ou aquisição de armamentos. O espaço aéreo, pode ser comprometido e
violado. O Brasil, com seu imenso território terrestre e marítimo,
tradicionalmente pacífico, não poderia se furtar a ignorar este fato. O
problema são os enormes custos para fazer frente à essas necessidades. A
modernização, novas tecnologias, terão que serem levadas em conta, sempre. Daí
a preocupação do custo/benefício de saber, dentro disto, se realmente
necessitamos de um caça supersônico, para fins de defesa, ele terá que ser
brasileiro? Isto é, temos, realmente que possuir a tecnologia para tal?
O presente artigo portanto,
parte, tendo-se por base uma metodologia histórico dedutiva, em analisar a necessidade que o Brasil têm de
modernizar-se, em consonância com sua Política de Defesa Nacional, na compra de
seu caça supersônico. Para tanto, trabalha-se, inicialmente, com uma abordagem
da própria política de defesa nacional, no projeto F-X ao F-X2, das vantagens e
desvantagens dos concorrentes, passando pelo papel das empresas transnacionais
nesse cenário, para, ao fim ter a resposta.
1. DA POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL
Os investimentos na área
militar, e em especial no que tange ao poderio aéreo, se dá em razão de que o
Brasil almeja colocar-se como Potência Regional a ser respeitada no cenário
Global e, mais, para alguns experts, “não apenas como potência econômica e
política no continente, mas também como uma força militar respeitável e
proporcional a sua grandeza” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 65).
O Brasil não se pode menosprezar
a importância das forças armadas manterem-se bem equipadas, sendo inclusive
essa uma preocupação apresentada na introdução à Política de Defesa Nacional:
Após um longo período sem que o Brasil participe de conflitos que afetem
diretamente o território nacional, a percepção das ameaças está desvanecida
para muitos brasileiros. Porém, é imprudente imaginar que um país com o
potencial do Brasil não tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus
legítimos interesses. Um dos propósitos da Política de Defesa Nacional é conscientizar
todos os segmentos da sociedade brasileira de que a defesa da Nação é um dever
de todos os brasileiros. (BRASIL, 2005).
Portanto, ao se tratar de
questões militares está se falando na garantia da defesa nacional, a qual
compete a União promovê-la através de políticas públicas, de acordo com ao
artigo 21, III da Constituição de 1988, sendo que a Defesa Nacional se
constitui como o “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na
expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses
nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas”
(BRASIL, 2005).
Nesse viés, temos que o eixo
normativo da defesa nacional é composto pela Política de Defesa Nacional
(2005), a qual se apresenta como a essência da defesa nacional, constituindo o
documento vinculante de maior hierarquia da defesa nacional (ALMEIDA, 2010, v.
16) e pela Estratégia Nacional de Defesa (2008), sendo um desdobramento
essencial da Política de Defesa, voltado para a implementação de ações
concretas no campo da defesa, chegando a representar verdadeira redefinição
estrutural, em que destaca o objetivo de estreitamento das relações entre as
forças armadas com a sociedade civil, com a universidade e a introdução do
conceito de capacidades para o planejamento de longo prazo (ALMEIDA,
2010, v. 16).
Contudo, a Defesa Nacional
normalmente foi relegada a segundo plano, em razão de alguns fatores: 1 – em
razão de um passado recente vivido com o golpe militar de 1964 criou-se certa
restrição com os militares; 2 – porque se tem a ideia de que não temos
problemas militares em razão do longo período sem conflitos armados; 3 – quando
se fala em políticas públicas, a opção pela realização de determinada medida
reflete necessariamente na abdicação de outra (o chamado trade-off) e
num país em que vivemos com situações tão alarmantes de problemas sociais,
estes sempre são postos na pasta prioritária; 4 – por fim, os investimentos na
Defesa Nacional não se apresenta como uma pauta que garantirá a eleição de
governantes (ALMEIDA, 2010, v. 16). Assim, para que seja possível superar essas
adversidades para os investimentos na área militar, a política de defesa deve
ser repensada, de modo que:
Ao dizer respeito à própria existência do país, a política de defesa deve
ser tratada como política de Estado, acima das rivalidades partidárias e das
trocas de comando no governo. As escolhas relativas à defesa nacional devem
levar em conta os outros bens ou serviços públicos que deixarão de ser providos
com vistas à sua implementação, sem esquecer as características específicas e o
caráter essencial do “bem defesa”. Essa evolução somente poderá ser obtida com
o envolvimento das diferentes instâncias de gestão, pesquisa e transparência
interessadas no assunto: um conjunto institucional de atores políticos,
públicos e privados, muito mais amplo do que o restrito círculo das forças
armadas. O esboço de qualquer estrutura de defesa em uma democracia, para que
tenha legitimidade e conte com recursos, deve vir da aprovação da sociedade.
(ALMEIDA, 2010).
Portanto, muito embora o anseio
das pessoas seja sempre pela imediatidade dos resultados, os planos para
investimento nas forças armadas devem ser de longo prazo por meio de políticas
de Estado que tragam efetividade no aparelhamento militar, além de que os
procedimentos licitatórios para a aquisição dos bens públicos militares deve
ser feita com a maior lisura possível, para que não se deixem dúvidas quanto ao
cumprimento de todas as medidas legais.
2. DO PROJETO F-X AO F-X2
Tudo se inicia no ano de 2000,
quando o presidente Fernando Henrique Cardoso anuncia o Plano de Fortalecimento
de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro, que com o objetivo de fazer a compra de
“150 aviões, 4 helicópteros de grande porte e a modernização dos caças F-5 e
AMX” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66) com o intuito de fazer a modernização em
todo o aparato de combate da Força Aérea Brasileira (FAB), já que naquele tempo
havia um contingente de 754 aeronaves, sendo que apenas 354 destas estavam
operando, já que as demais não podiam ser utilizadas, seja por falta de peças
de reposição ou porque não era disponibilizado orçamento suficiente para
abastecimento e funcionamento (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66).
Ainda, dentro do referido Plano
de Fortalecimento Aéreo estava incluído o chamado Projeto F-X, que consistia da
compra de 12 a 24 caças novos, já que os antigos F-103 Mirage III BR estavam
completamente defasados, uma vez que “somente 5 ou 6 ainda voavam, porém
virariam sucata, tal como os outros, em 2005, ano em que completaram 30 anos de
utilização” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66). Diante dessa situação, era
pujante a necessidade do reaparelhamento dos caças da Força Aérea Brasileira,
sob pena de ficarmos sem qualquer aeronave deste porte apta à utilização.
Assim, em agosto de 2001, deu-se
início ao procedimento licitatório para a aquisição dos novos caças, o que se
deu através da modalidade convite, de acordo com os preceitos do artigo 22, III
da Lei nº. 8.666/93, de modo que foram enviados convites para empresas
estrangeiras especificando que para a aquisição dos caças supersônicos o
governo havia disponibilizado do montante de aproximadamente 1,75 bilhões de
reais à época (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66). A partir do que foi entabulado
pelo artigo 22, § 3º. da Lei nº. 8.666/93 se extrai que:
O convite é o procedimento mais simplificado dentre as modalidades comuns
de licitação. Prevê-se a faculdade de a Administração escolher potenciais
interessados em participar da licitação. Esses convidados não necessitam estar
cadastrados previamente. Mas se admite a participação de quaisquer outros
interessados “(…) que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24
(vinte e quatro) horas da apresentação das propostas”, desde que cadastrados.
(JUSTEN FILHO, 2014, p. 353).
Assim, o procedimento
licitatório na modalidade convite é aquele que pode ser aplicado para a compra
de bens públicos, sendo que garante uma certa discricionariedade para a
Administração escolher os candidatos, contudo devem ser observados critérios
objetivos para a seleção dos concorrentes, sob pena de violação dos princípios
da isonomia e igualdade, de modo que se “[…] a administração escolher
determinados licitantes ou excluir outros por preferências meramente
subjetivas, estará caracterizado desvio de finalidade e o ato terá de ser
invalidado” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 353), sendo está uma das razões pela qual a
legislação já previu um mínimo de 03 interessados para se enviar os convites,
assegurando desta forma uma maior observância de critérios equânimes.
Contudo, naquele período muitos
políticos queriam que se abrisse mão do procedimento licitatória para
privilegiar uma compra direta com a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.
(EMBRAER) (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66), pois quando se privilegia a compra
de empresa brasileira exclusiva de fabricação ou no intuito de se manter uma
padronização dos equipamentos utilizados pelas Forças Armadas, a lei de
licitações nos incisos XIX e XXVIII do artigo 24 dariam sustentáculo para a
dispensa da licitação. Veja-se, pois:
Art. 24. É dispensável a licitação: […] XIX - para as compras de material
de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e
administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida
pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres,
mediante parecer de comissão instituída por decreto; […] XXVIII – para o
fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam,
cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante
parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão.
(BRASIL, 1993).
No que tange o mencionado inciso
XIX do artigo 24, Marçal Justen Filho destaca que “[…] verificando-se a
necessidade de padronização e constatando-se existir um único fornecedor para
determinados bens, aplicar-se-ia o art. 25, I, da Lei nº. 8.666/1993.
Atingir-se-ia o mesmo resultado através da conjunção do art. 15, I com o art.
25, I” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 453). Além disso, importante trazer à baila os ensinamentos do
referido autor no que pertine o inciso XXVIII do artigo 24 da Lei nº. 8.666/93,
senão vejamos:
O dispositivo disciplina casos que pressupõem a presença de dois requisitos
de distinta natureza. Trata-se da elevada complexidade tecnológica dos bens ou
serviços e a vinculação com a defesa nacional. A configuração de tais casos
vai-se tornando comum em vista do progresso tecnológico e de sua aplicação para
a defesa dos interesses coletivos […] É relevante a expressão “nacional” porque
impõe uma dimensão supraindividual e transcendente para os interesses serem
defendidos. (JUSTEN FILHO, 2014, p. 473/474).
Mas, ainda que houvesse a
previsão legal para a dispensa da licitação, o procedimento foi mantido e
permaneceram na concorrência às seguintes aeronaves: 1 – Miragem 2000-5 Mk2 da
empresa Dassault (França) que estava em parceria com a Empresa Brasileira de
Aeronáutica S.A. (EMBRAER); 2 – F-16C Falcon da fabricante Lockheed Martin
(Estados Unidos da América); 3 – Sukhoi-35 da Rosoboronexport (Rússia) e; 4 –
JAS-39 Gripen C da Saab (Suécia) (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 66).
Com o decurso do tempo a escolha
do caça supersônico que seria adquirido pelo Brasil passou a sofrer diversos
adiamentos, seja por motivos de análise técnica mais aprofundada ou pela
mudança no governo que ocorreria em 2002 com a eleição de Luiz Inácio Lula da
Silva. Após a eleição, de imediato houve novo adiamento, uma vez que o então
presidente realizou o denominado trade-off como acima exposto, e optou
por privilegiar o programa Fome Zero em detrimento da aquisição de aeronaves, o
que retoma a discussão de que a maioria das pessoas não vê a política pública
de reaparelhamento da Força Aérea Brasileira (FAB) como uma prioridade na pauta
do governo e ciente disso, o presidente fez a sua opção pela política pública
que visava a carência social do país (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 67).
Muito embora o procedimento
licitatório tenha sido reaberto em outubro de 2003 com a possibilidade de
alteração das propostas anteriormente apresentadas pelas empresas participantes
(DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 67), o projeto voltou a sofrer constantes
adiamentos até que no início de 2005 a Força Aérea Brasileira (FAB), em
comunicado oficial, pôs fim ao projeto F-X (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 68). O
grande problema é que naquele ano os caças F-103 Mirage III BR que restavam em
funcionamento deveriam ser aposentados, não restando outra opção para a FAB
senão um plano alternativo, que consistia na aquisição de aeronaves que já
estivessem em uso em outros países, mas que ainda estivessem em boas condições,
sendo então que no mês de junho de 2005 o “Brasil fechou a compra com a França.
12 caças Mirage 2000-5 em bom estado de conservação por US$ 57 milhões” (DIAS
JUNIOR; PORTO, 2010, p. 68).
A partir desse momento, em que
se tem uma solução momentânea para a defasagem de aeronaves das Forças Armadas,
o governo brasileiro começa a desenvolver um planejamento para um
reaparelhamento condizente e necessário de caças de combate militar e, é sob
essa perspectiva que surge o projeto F-X2, que consiste em “Abrir um novo
programa para aquisição de caças de quarta geração, mais modernos do que os da
disputa anterior [...] teve como principal bandeira a transferência de
tecnologia” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 68), além de ser estabelecido no
procedimento licitatório o direito de fabricação do caça vencedor pelo Brasil,
bem como a exportação para o mercado sul-americano. Todos esses fatores que
foram cumulados na elaboração desse projeto mais audacioso, demonstram um
verdadeiro interesse do país da sair da condição de mero comprador de armamento
de combate militar para um status de fabricante e exportador de aviões com alta
tecnologia (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 69), senão vejamos:
Mais do que obter uma máquina de guerra, o programa FX-2 foca na autonomia
para a fabricação de um avião moderno e que deve levar a reboque a renovação e
melhoria de diversos setores da economia e da pesquisa nacional. O conceito
chave que definirá a escolha desses aviões de caça é a chamada TT, sigla para
transferência de tecnologia. O processo de TT é garantia de que o investimento
feito para um cenário hipotético de guerra se transforme em um projeto de
modernização na área de pesquisa e desenvolvimento, paralelamente à capacitação
de diversos setores industriais do país que poderão, em alguns anos, voar alto
no cenário global. (BARBOSA, p. 42).
Preenchidos os requisitos
exigidos no procedimento licitatório, mantiveram-se no na disputa os seguintes
caças supersônicos: 1 – Rafale F3 da empresa Dassault (França); 2 – JAS 39
Gripen New Generation da fabricante Saab (Suécia) e; 3 – F-18 E/F Super Hornet
da companhia Boeing (Estados Unidos da América).
Em setembro de 2009 se desenhou
um cenário que parecia completamente favorável à empresa francesa na conquista
da disputa, pois o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva emitiu uma nota
oficial de que seriam adquiridos os modelos Rafale F3, se cumpridas todas as
condições da licitação e, em especial, a transferência irrestrita de
tecnologia, já que se tratava de decisão de cunho eminentemente
politico-estratégica do Presidente. Muito embora tenha ocorrido este comunicado
de forma precipitada, foi assegurado que toda a análise técnica das propostas
seria devidamente avaliada pela Força Aérea Brasileira (FAB), a qual ficou
insatisfeita ao ser pega de surpresa com a nota oficial da Presidência da
República. Ademais disso, tal situação causou ainda maior desconforto quando da
emissão de um relatório final pela FAB colocou o Rafale F3 em último colocado,
perdendo para o F-18 Super Hornet (2º. lugar) e para o JAS-39 Gripen NG (1º.
lugar), sendo que este apresentaria vantagens sobre os demais no que tangem os
seus custos, tanto no valor de cada unidade quanto no dispêndio financeiro para
mantê-los em pleno funcionamento (FOLHA DE S. PAULO, 2010). Inclusive, ainda em
2009 a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (EMBRAER) já havia se posicionado
de forma favorável à aquisição dos caças suecos, pois o consideravam a melhor
escolha no quesito transferência de tecnologia para o Brasil (SILVEIRA, 2009).
Após tantas discussões,
análises, adiamentos e mais de 13 anos transcorridos, finalmente no dia 18 de
dezembro de 2013 o Projeto F-X2 tem a sua decisão final tomada pela Presidente
Dilma Roussef dando a vitória para a empresa sueca Saab e o caça JAS 39 Gripen
New Generation, sendo que para o resultado foram levados em consideração a
transferência irrestrita de tecnologia, o desempenho e os custos da aeronave,
bem como as contrapartidas comerciais asseguradas pela fabricante. O resultado
final da licitação consiste em um plano para a aquisição “[…] 36 aeronaves,
embora exista a possibilidade de o Brasil adquirir até 120 aviões em contratos
de longo prazo posteriores. Os investimentos atuais são da ordem de US$ 4,5
bilhões […]” (UBIRATAN, 2014), sendo que além da compra das aeronaves,
pactuou-se a aquisição do “[…] suporte logístico e compra de armamentos
necessários à operação dos caças” (FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2016a), bem como que
aproximadamente “40% do caça Gripen e até 80% da sua estrutura serão feitos no
Brasil” (SILVEIRA, 2013). O que se tem previsto é que o primeiro caça seja
entregue ao Brasil em 2019 e o último até 2024 (FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2016a).
Destaca-se que a aquisição dos
caças suecos trouxe uma repercussão muito favorável para o aprimoramento de
algumas empresas, em especial a EMBRAER e a Akaer, sendo que a primeira “[…]
coordenará todas as atividades de desenvolvimento e produção no Brasil, em nome
da Saab, e, além de uma grande parcela de trabalho neste projeto, a Empresa
também participará do desenvolvimento de sistemas, da integração, testes em
voo, montagem final e entregas. […] Além disso, a Embraer e a Saab serão
responsáveis pelo desenvolvimento completo da versão biposto do Gripen NG
[...]” (EMBRAER, 2014) e a segunda ficou incumbida de fazer o projeto de toda a
fuselagem central, a traseira e as asas do JAS 39 Gripen NG (SILVEIRA, 2013).
Diante de todo o tempo percorrido para
que se chegasse a uma decisão final ao projeto F-X2 houve questionamento quanto
a honradez do procedimento licitatório ao passo que havia sido desencadeado um
inquérito civil para a apuração de eventuais irregularidades. Contudo, no dia
25 de agosto de 2015 o referido inquérito foi arquivado pela Procuradoria da
República, a qual ressaltou que:
[...] durante a investigação não foram
encontrados elementos que justifiquem a continuidade da mesma e o ajuizamento
de ações judiciais relacionadas ao assunto em questão. Com isso, ficou claro
que o processo de aquisição foi conduzido com lisura. […] Por fim, o Comando da
Aeronáutica enfatiza que o processo em questão envolveu mais de 30.000 páginas
de estudos técnicos e sempre foi pautado na valorização dos aspectos
comerciais, técnicos, operacionais, logísticos, industriais, compensação
comercial (offset) e transferência de tecnologia. (FARCIC, 2015).
Não houve nenhuma irregularidade
na licitação, sendo que foram cumpridos todos os preceitos legais e o procedimento
foi conduzido com total integridade, a medida que foram observados os
princípios jurídicos da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade,
igualdade, publicidade e da probidade administrativa, entabulados no artigo 3º.
da Lei nº. 8.666 /93 (BRASIL, 1993).
Desta forma, a aquisição dos
caças supersônicos pelo governo brasileiro, além de trazer um reaparelhamento
moderno para as Forças Armadas Brasileira (FAB), garantiu enorme avanço
tecnológico através da transferência de tecnologia irrestrita, sendo que:
Até 2022, mais de 350 brasileiros vão trabalhar com o projeto Gripen na
Suécia. Os profissionais vão atuar no desenvolvimento da aeronave,
gerenciamento de projetos, desenvolvimento de simulares e certificação, dentre
outras atividades. Segundo o Departamento de Produtos de Defesa do Ministério
da Defesa, o projeto de aquisição dos caças Gripen NG vai gerar 9,1 bilhões de
dólares em compensações para o Brasil. Isto atende à Estratégia Nacional de
Defesa, que prevê capacitar a indústria nacional. As compensações beneficiam as
empresas brasileiras Embraer, Akaer, SBTA, Atech, AEL, Mectron e Inbra, além do
Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), órgão da Aeronáutica
em São José dos Campos (SP) (FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2016a).
Destaca-se por fim, que o JAS 39
Gripen E New Generation já teve encerrada a fase de desenvolvimento com a sua
apresentação no dia 18 de maio de 2016 na sede da fabricante na cidade de
Linköping (Suécia), sendo que a partir de agora será iniciada a fase de ensaios
de voo (FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2016b), podendo, eventualmente, haver alguns
atrasos, em decorrência da crise econômica que atinge ao Brasil.
3. VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS CONCORRENTES
Dentre as muitas questões
envolvendo as três aeronaves que foram finalistas na disputa no Projeto F-X2,
importante trazer a baila alguns dos pontos positivos e negativos que foram
relevantes na decisão final que deu a vitória para o caça sueco.
Nesse viés, o vencedor
apresentava as seguintes vantagens: 1 – transferência de tecnologia: uma vez
que o caça ainda era um protótipo, o Brasil teria condições de participar do
desenvolvimento do mesmo (BARBOSA, p. 45); 2 – Em um dos relatórios da Força
Aérea Brasileira (FAB) ficou evidenciada que o custo global (por unidade e de manutenção)
do referido caça era muito inferior ao dos concorrentes, sendo esse um fator de
grande relevância, já que “com menos gastos em manutenção, maiores são as
chances de se manter bem armados estes caças, com mísseis e bombas de última
geração” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 69); 3 – é o caça mais leve dentre os
finalistas, o que garante um peso ideal para os porta-aviões em funcionamento
no Brasil. Contudo, o referido avião apresenta as seguintes desvantagens: 1 –
peças americanas: uma das grandes preocupações se dava em razão de que alguns
equipamentos da aeronave continham peças oriundas dos Estados Unidos da
América, o qual poderia impor entraves para a transferência de tecnologia (DIAS
JUNIOR; PORTO, 2010, p. 69); 2 – panorama político: dentre os finalistas, a
Suécia é o país que apresentava a menor relevância política no contexto global
(DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 69); 3 – o último ponto negativo vai de encontro
com o primeiro ponto positivo, ou seja, o fato de que o Gripen NG ainda estar
em desenvolvimento, uma vez que corria-se o risco de “sair mais caro do que o
esperado ou mesmo não se concretizar” (BARBOSA, p. 45).
Já o avião norte-americano F-18
E/F Super Hornet tinha as seguintes vantagens: 1 – já era testado e aprovado em
combate; 2 – a adaptação ao caça seria mais favorável, já que a Força Aérea
Brasileira (FAB) tradicionalmente manuseava aeronaves norte-americanas. Mas
havia uma grande desvantagem que pesava ao mencionado caça, qual seja: que os
“[…] Estados Unidos tradicionalmente criam barreiras para a venda de armamentos
e transferência de tecnologia” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 71).
Por fim, o caça Rafale F3 da
Dassault (França) apresentava as seguintes vantagens: 1 – transferência de
tecnologia: diferentemente do acontecia com o caça sueco, o avião francês não
tinha nenhuma peça fabricada nos Estados Unidos da América, não havendo nenhuma
barreira para a cessão de tecnologia para o Brasil, ao passo que os “[...]
fabricantes franceses prometem transferência irrestrita de tecnologia ao Brasil
caso vençam a concorrência. Além disso, segundo um dos relatórios da FAB, o
Rafale F3 apresenta os melhores índices técnicos entre os concorrentes, sendo
então, provavelmente, o melhor caça entre os três para o cumprimento das
funções de combate” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 70); 2 – interesse político:
o qual se perfazia por ambas as partes já que o “[...] Brasil busca, há tempos,
apoios políticos que o façam entrar no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Um parceiro como a França seria de grande valia nesta empreitada. Além disso, a
França busca solidificar sua influência na América Latina e vê o Brasil como
elemento essencial para este projeto” (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010, p. 70). Porém,
o avião francês apresentava algumas desvantagens, quais sejam: 1 – elevado
custo global, ou seja, por unidade e de manutenção (DIAS JUNIOR; PORTO, 2010,
p. 70); 2 – a França seria o único fornecedor de todos os equipamentos
militares adquiridos pelo Brasil, o que seria muito temeroso, uma vez que
havendo qualquer instabilidade do fornecedor, todo o aparelhamento militar
estaria comprometido.
4. EMPRESAS TRANSNACIONAIS
O aspecto curial aqui, é que,
embora a corrida pela escolha do modelo de caça, ser de interesse dos Países,
foram empresas privadas, de natureza transnacional, que estavam ali, na
disputa. Em que pese terem contratos de confidencialidade com os Estados onde
possuem suas sedes, as mesmas tem um enorme papel, neste contexto.
Pensando em termos de Defesa
Nacional, essas empresas possuem um papel no cenário contemporâneo globalizado,
e isto, para nós é conveniente? Entender o seu papel é o trabalho deste tópico.
Muito embora as empresas
transnacionais tenham começado a apresentar uma expressiva atuação somente a
partir do século XX, em que “um número de organizações, inicialmente sediadas
nos países desenvolvidos, que começam a expandir-se em direção aos mercados
asiáticos, latino-americano e africano” (CRETELLA NETO, 2012, p. 785), ao longo
da história vemos uma série de fatores que foram se somando e contribuindo para
o crescimento destas empresas no cenário mundial até alcançarem o enorme
poderio econômico e dinamismo que vislumbramos nos dias atuais. Assim, temos os
fatores de aprimoramento tecnológico e desenvolvimento dos meios de comunicação
representando um dos pilares para a expansão das transnacionais, já que
facilitaram a atuação das empresas espalhadas pelos diversos Estados do globo,
pois diminuíram o tempo e os custos nesta interligação das companhias. Além
disso, temos o fator do “[…] protecionismo tarifário imposto pela maior parte
dos países, para diminuir o volume de produtos importados e promover o
desenvolvimento da indústria nacional” (CRETELLA NETO, 2012, p. 747), o que
fazia com que as transnacionais objetivassem se instalar nesses países com o
intuito de fornecer seus produtos ou serviços de maneira competitiva.
Assim, com o evidente
aprimoramento e desenvolvimento das empresas transnacionais pelo mundo,
destaca-se a importância do seu estudo, do qual, inicialmente, cumpre trazer à
baila o conceito aplicável a estas companhias, o qual nas palavras de José
Cretella Neto vislumbram-se como sendo:
Empresa Transnacional é a sociedade mercantil, cuja matriz é constituída
segundo as leis de determinado Estado, na qual a propriedade é distinta da
gestão, que exerce controle, acionário ou contratual, sobre uma ou mais
organizações, todas atuando de forma concertada, sendo a finalidade de lucro
perseguida mediante atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais países,
adotando estratégia de negócios centralmente elaborada e supervisionada,
voltada para a otimização das oportunidades oferecidas pelos respectivos
mercados internos. (CRETELLA NETO, 2006, p. 27).
Para Luiz Olavo Baptista:
A nosso ver a empresa transnacional é uma entidade que não possui
personalidade jurídica própria. É composta por um certo número de subsidiárias
e tem uma ou mais sedes, constituídas em diversos países, de acordo com a
legislação local que lhes dá personalidade jurídica e, sob certo aspecto, a
nacionalidade […] não existe a empresa transnacional […] aproxima-se do
conceito jurídico de grupo de sociedades, mas com o acréscimo de que é um grupo
constituído por sociedades sedeadas em países diferentes, constituídas sob leis
diversas, cada qual com certa autonomia, agindo por sua conta, mas em benefício
do conjunto”. (BAPTISTA, 1987, p. 17).
O autor Luiz Olavo Baptista
ainda menciona em sua obra que existem dois tipos de empresas transnacionais
quando se analisa a sua forma de atuação no mercado global, sendo que o primeiro
tipo é aquele em que cada subsidiária atua de forma independente, enquanto que
o segundo diz respeito as empresas que buscam integrar todas as suas operações
das subsidiárias, estabelecendo um centro de comando sobre os objetivos gerais
a serem alcançados com o trabalho conjunto desempenhado por cada uma das
subsidiárias (BAPTISTA, 1987, p. 23).
Portanto, a empresa
transnacional é aquela que a partir da organização dos fatores de produção
passa a realizar suas atividades de produção e/ou prestação de serviços em 02
ou mais Estados distintos, sob a jurisdição destes Estados, concatenados para o
cumprimento de metas e objetivos comuns a partir dos comandos gerais da empresa
matriz, a qual detêm o controle acionário ou contratual, podendo desempenhar suas
atividades através de subsidiárias que contam com maior autonomia ou
aproveitando cada uma das subsidiárias para desempenhar um papel na
constituição do produto final.
Contudo, para além de uma
conceituação, devemos abordar algumas questões peculiares no que pertine as
empresas transnacionais, sendo que a primeira delas é a relação de amor e ódio
apresentada por Luiz Olavo Baptista, que consiste no fato de que os Estados necessitam dos investimentos
destas companhias em seus territórios, pois as mesmas trazem riqueza, ajudam no
crescimento econômico do país, trazem avanços tecnológicos, geram empregos,
além de serem capazes de “de mobilizar significativos recursos para financiar
campanhas políticas, pesquisas científico-tecnológicas e a própria vida econômica
das comunidades onde pretendam instalar-se” (CRETELLA NETO, 2012, p. 778), mas
ao mesmo tempo temem a atuação das referidas empresas, por medo de se tornarem
escravizados pelas mesmas através da perda da soberania, dependência
tecnológica, dominação dos mercados, influência política, além de que as
transnacionais têm um planejamento econômico de atuação como se estivesse em um
mercado mundial, o que resulta em uma despreocupação quanto aos interesses
locais, ou seja, desinteresse quanto ao bem comum das comunidades em que
constitui as suas sedes, tanto é que em muitos casos são responsáveis pela
geração de dumping social, já que procuram se instalar em país que ofereçam uma
mão de obra mais barata. Nesse viés, de forma complementar, José Cretella Neto
também alerta pela reciprocidade do amor e ódio que as companhias
transnacionais têm com os Estados, senão vejamos:
Essa falta de adequado entrelaçamento perdura até hoje, restando as
desconfianças de parte a parte: de um lado, os países precisam das transnacionais
para investir, para recolher tributos ao Tesouro e ampliar as oportunidades de
trabalho, além de exportar bens e gerar divisas, mas temem perder o atributo
que reputam tão precioso, sua ratio essendi, a soberania, bem como aquilo que
entendem como inegociável, o “seu” mercado nacional; de outro, as empresas
transnacionais necessitam dos Estados para expandir os negócios e, ao tornar as
operações globalizadas, diluir o risco de operar em um um ou em poucos países,
mas mantém com os governos, não raro, relações promíscuas, pagando por
benefícios concedidos, mas desconfiando dos governantes venais que as
favorecem” (CRETELLA NETO, 2012, p. 786).
O que se verifica, portanto, é
que diante dos temores apresentados pelos Estados, estes tendem a fazer uma
regulamentação nas atividades das empresas transnacionais, com o intuito de
manterem um controle sobre as mesmas, ou seja, para que não venham a interferir
nos rumos do Estado fora dos seus objetivos estabelecidos, além de que o
controle pelo Estado se faz necessário para assegurar a competitividade das
empresas nacionais, as quais normalmente não conseguem concorrer em condições
de igualdade perante estes gigantes internacionais, mas que ainda sim
apresentam-se como de sua importância para os países, devendo portanto ser
preservadas e protegidas de alguma forma.
Desta forma, resta claro o
objetivo dos Estados em tentarem regulamentar as companhias transnacionais,
gerando “[…] a subordinação das empresas transnacionais aos objetivos
econômicos e aos valores culturais e sociais dos países nos quais operam. Por
isso, através de normas de ordem pública, buscam afirmar a sua soberania
estabelecendo restrições à liberdade de operar das empresas transnacionais – p.
ex., impondo limites à remessa de lucros, de royalties ou fazendo
exigências em matéria de transferência de tecnologia” (BAPTISTA, 1987, p. 4/5),
como bem alertou Celso Lafer no prefácio do livro de Luiz Olavo Baptista.
Outra tentativa, para além do
objetivo de regulamentação interna dos países sobre as transnacionais, foi a
tentativa de estabelecer legislações uniformes para os blocos de integração
regional, chegando-se a pensar em um órgão supranacional que pudesse fazer a
fiscalização destas empresas através da aplicação de sanções pelo descumprimento
da lei uniformemente constituída, contudo tal situação, conforme Luiz Olavo
Baptista elucida, é uma verdadeira utopia, já que os Estados não tendem a abrir
mão de sua soberania em prol de uma entidade supranacional, bem como em razão
de interesses muitas vezes conflitantes entre os países (BAPTISTA, 1987, p.
49/50).
Por fim, argumentou-se ainda em
uma tentativa de regulamentação das empresas transnacionais por meio do Direito
Internacional Privado, suscitando a possibilidade de aplicação da legislação interna
de cada país para além de suas fronteiras, já que não se chegou a instituição
de uma lei internacional que pudesse normatizar as atividades das
transnacionais.
Nisto, Luiz Olavo Baptista
explica os insucessos dessas situações através de alguns simbolismos, senão
vejamos:
Primeiro, o ideal de regulamentar as empresas transnacionais, submetendo-as
a uma só legislação é quimera. Os ensaios de enquadrá-las a partir do Direito
Internacional Privado, assemelham-se aos “voos” do peixe voador, de curto alcance,
pela total inadequação do organismo em causa, à tentativa heroica que faz.
Finalmente, esforço de regulamentar a empresa transnacional através de esquemas
de cooperação regional é simbolizado pelo avestruz que, ao enterrar a cabeça,
pensa esconder-se. (BAPTISTA, 1987, p. 13).
Ainda, temos que ressaltar que
hoje em dia as empresas transnacionais são vistas como sujeitos auxiliares do
Direito Internacional, sem contudo possuírem capacidade para figurarem como
parte nos órgãos de solução de controvérsias em âmbito internacional, de modo
que “[…] não se lhe concede o direito de defender os próprios direitos na
jurisdição internacional, em status equivalente ao dos demais sujeitos
do Direito Internacional” (CRETELLA NETO, 2012, p. 772/773). Muito embora se defenda
que as empresas transnacionais devam ser reconhecidas como sujeitos e dotadas
de personalidade jurídica perante o Direito Internacional Público, ainda não se
tem um reconhecimento efetivo nesse sentido, permanecendo as mesmas com uma
personalidade jurídica relativamente limitada.
Menciona-se por fim que as
empresas transnacionais podem assumir diversas formas para se implementarem nos
diversos Estados do globo levando-se em conta fatores econômicos,
administrativos e jurídicos, podendo ser na condição de empresa matriz, filial,
subsidiária ou associada.
O que nos retorna a questão, de
embora sejam os caças, produzidos por tais empresas, elas, de fato, representam
os interesses de seus Países originários, infiltrando-se, adequando-se à
estrutura dos demais Países. E é esse, um dos paradoxos: modernizar-se à custa
da tecnologia alheia, tem seu preço.
CONCLUSÃO
Os investimentos nas forças
armadas dizem respeito à defesa nacional, a qual compete a União promovê-la por
intermédio de políticas públicas que assegurem a efetividade no aparelhamento
militar.
Nesse viés é que se desenvolveu
o inicial projeto F-X e subsequente F-X2 na compra de caças supersônicos pela
Força Aérea Brasileira (FAB), no intuito de que fosse feito um reaparelhamento
da frota aérea, que encontrava-se defasada. Assim decorridos mais de 13 anos, o
procedimento licitatória teve seu encerramento com a vitória da empresa Sueca
Saab, fabricante do caça JAS 39 Gripen New Generation, sendo que além da
aquisição inicial de 36 aeronaves, pactuou-se a transferência de tecnologias
para o Brasil.
Portanto, a aquisição dos caças
supersônicos pelo governo brasileiro, além de trazer um reaparelhamento moderno
para as Forças Armadas Brasileira (FAB), garantiu um imenso avanço
científico-tecnológico através da transferência de tecnologia irrestrita pela
empresa vencedora do procedimento licitatório.
O papel das empresas
transnacionais no cenário mundial é de uma atuação para além das fronteiras dos
Estados de origem, já que visualizam em diferentes mercados a otimização de
suas oportunidades, vivenciando assim uma constante relação de amor e ódio com
os Estados hospedeiros, vez que estes necessitam dos investimentos trazidos
pelas transnacionais, mas temem pelo tamanho do seu poderio econômico na afetação
de decisões soberanas.
Assim, no que tange a
perspectiva apresentada sobre o projeto F-X2, as empresas concorrentes no
procedimento licitatório, já demonstravam interesses transnacionais a partir do
momento em que entraram no pleito para a venda de caças supersônicos ao Brasil,
mas especialmente no quesito da transferência de tecnologia, com a instalação
de filiais e subsidiárias em nosso país.
Destaca-se nesse sentido que a
vencedora Saab pretende construir uma fábrica em São Bernardo do Campo/SP, local
onde serão produzidas todas as estruturas do caça JAS-39 Gripen NG, além de já
ter adquirido 15% do capital social da empresa brasileira Akaer, a qual ficou
responsável pelo projeto de toda a fuselagem central, traseira e asas da
aeronave (SILVEIRA, 2013). Além disso, conforme já mencionado anteriormente, a
EMBRAER irá participar ativamente do desenvolvimento de sistemas, da
integração, dos testes em voo, montagem final e entregas dos aviões, entre
outros (EMBRAER, 2014), o que evidencia os objetivos de atuação da empresa
sueca para além de suas fronteiras, caracterizando-se como verdadeira empresa
transnacional.
Com a transferência de
tecnologia, e criação de uma empresa com participação brasileira, minora-se, em
boa parte, mas não na totalidade, o desafio de defesa aérea do território
nacional. Precisamos sim, dessa tecnologia e a maneira mais eficiente, não mais
barata, é a que o Brasil adotou.
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[1] Advogado
trabalhista, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR), Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela
Universidade Anhanguera-Uniderp e Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes e Mestrando
no Programa de Pós-Graduação (Mestrado em Direito Econômico e Desenvolvimento)
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). E-mail: <
roberto_hartmann604@hotmail.com >.
[2] Graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná
(1984). Especialização em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (1988), Mestrado em Integração Latino - Americana pela
Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Doutorado em Integração da América
Latina pelo USP/PROLAM (2008). Professor titular da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná na graduação e na pós lato sensu onde coordena a
especialização em Direito, logística e negócios internacionais, e no strito
sensu, no mestrado e doutorado. Advogado. Consultor jurídico. Coordenador do NEADI (www.neadi.com.br).
Membro de Centro de Letras do Paraná e do Instituto de Advogados do Paraná.
E-mail: < luiz.winter@pucpr.br >.