JUSTIÇA RESTAURATIVA: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA NO BRASIL

 

RESTORATIVE JUSTICE: CONSTRUCTION OF A NEW PARADIGM OF JUSTICE IN BRAZIL

 

Mazukyevicz Ramon Santos do N. Silva*

Rômulo Rhemo Palitot Braga**

Tâmisa Rúbia Santos do N. Silva***

 

RESUMO: Compreendendo que as concepções de crime e de justiça influenciam diretamente a maneira como lidamos com as questões penais, passamos a analisar tais conceitos na perspectiva do paradigma Retributivo - historicamente afirmado como modelo punitivo ocidental – e a estudar um novo paradigma de justiça – a Justiça Restaurativa – que busca promover no processo de solução do conflito a participação efetiva dos sujeitos envolvidos na violação criminal.

 

Palavras-chave: Crime. Justiça Retributiva. Punição. Justiça Restaurativa. Reparação.

 

ABSTRACT: Realizing that the crime of conceptions and justice directly influence how we deal with criminal matters, we analyze these concepts in the context of the paradigm retributive - historically affirmed as Western punitive model - and to study a new paradigm of justice - Restorative Justice - which seeks to promote in the conflict resolution process the effective participation of those involved in criminal violation.

 
Keywords: Crime. Retributive justice. Punishment. Restorative justice. Repair.
 

Recebido: 06.04.2017

Aprovado: 13.06.2017

 
1 INTRODUÇÃO 

 

A preocupação quanto à forma de responder aos comportamentos humanos nocivos ao ordenamento jurídico de uma sociedade é notório e se faz presente desde os tempos mais remotos.

Diante dessa premissa, surgem questionamentos acerca do que induz os indivíduos a transgredirem as normas impostas pela comunidade e, em consequência, de que maneira se legitimam as sanções aplicadas como forma de repressão aos comportamentos sociais desviantes.

Com a evolução do pensamento criminológico ao longo da história, é possível verificar a adoção do modelo punitivo Retributivo no Brasil, o qual se perpetua até os dias atuais. Tal modelo fundamenta-se na ideia de que o crime se configura como a infração de uma norma penal imposta a todos pelo Estado e que este, legitimado pelo contrato social, tem o poder-dever de punir o transgressor. Ao fazê-lo, o Estado devolve o mal causado pelo indivíduo ofensor, em razão da prática do crime e coíbe a prática da mesma conduta pelos demais membros da sociedade.

Entretanto, à medida que o modelo Retributivo adotado, juntamente com seus métodos punitivos, tais como a prisão, não mais consegue combater a problemática do crime de maneira satisfatória - tendo em vista o crescente índice da violência e da insegurança pública que assola o nosso país -, a busca por alternativas de justiça que se proponham a lidar com a situação de maneira diferenciada torna-se primordial.

Nesse horizonte, o presente estudo busca analisar o modelo de Justiça Restaurativa, que na conjuntura atual vem se mostrando talvez a proposta mais eficiente de justiça. Sua premissa é considerar o crime não como uma infração à norma penal, mas sim como o responsável pelo rompimento das relações interpessoais, compreendendo-se, assim, que a justiça deve atentar-se à reparação da lesão sofrida e à reconstrução das relações. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa, ao desmitificar o fenômeno do crime, afasta a ideia de que o principal ofendido com o seu cometimento é o Estado e afirma o papel prioritário da vítima, cabendo a esta e ao ofensor buscarem a melhor forma de solucionar o conflito. Todo o processo é pautado, portanto, na promoção do diálogo entre as partes diretamente envolvidas pelo fenômeno do crime.

Destarte, inobstante as práticas Restaurativas venham sendo inseridas, gradualmente, no processo criminal brasileiro, sua expressividade ainda é relativa, tendo em vista que são instauradas dentro de um contexto Retributivo, sendo imprescindível à sua aplicação eficiente a quebra de barreiras culturais que influenciam nossa concepção de justiça e de crime.

 

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO MODELO RETRIBUTIVO DE JUSTIÇA

 

O modelo Retributivo de justiça, adotado pelo Brasil e por grande parte dos países capitalistas, configura-se, em linhas gerais, por agregar à pena o caráter de retribuição e de prevenção. Assim, destina-se a punir o indivíduo que afronta as normas impostas ao grupo social e, paralelamente, intenta coibir a prática de outros delitos pelos demais membros daquela comunidade.

Entretanto, a punição com essa dupla função é fruto da evolução histórica do pensamento criminológico, sendo necessário à compreensão do atual modelo punitivo promover a reflexão acerca das concepções do crime, que ao longo da história ensejaram diferentes respostas à problemática.

 

2.1 Do Organicismo medieval à implantação do cárcere como forma de punição

 

Empreendendo uma análise histórica acerca das diversas concepções do crime e de punição, verifica-se que nas sociedades mítico-rituais primitivas, cuja organização social baseava-se na concepção organicista, na qual o indivíduo era percebido como parte de um todo, a punição estava intrinsecamente relacionada com a restruturação da “paz social e do equilíbrio”.

Nessas comunidades, as crenças religiosas exerciam papel expressivo sobre a vida das pessoas e, principalmente, sobre a maneira como compreendiam os fenômenos naturais que as cercavam. Por conseguinte, as normas impostas aos seus membros eram fortemente influenciadas pelo misticismo e intentavam estabelecer um elo entre os comportamentos humanos e os acontecimentos de ordem natural. As práticas criminosas, por sua vez, eram compreendidas como uma quebra dessa harmonia social, que deveria ser restabelecida, pois, do contrário, ensejaria a ira e o castigo das divindades sobre todos.

Para reconquistar o equilíbrio e afastar os conflitos que os assolavam, a principal forma de punição adotada era o sacrifício do agente transgressor, pois a partir dele era possível expurgar os pecados do grupo, que se encontravam concentrados, simbolicamente, no transgressor (ZOLO, 2002). Tal modelo punitivo permaneceu estruturado durante todo o período medieval.

Entretanto, a partir do Renascimento, iniciado no século XIV, o indivíduo passou a ser reconhecido enquanto sujeito de direitos e deveres, um ser livre, autônomo e, sobretudo, moralmente responsável pelos seus atos. Nesse contexto, o Estado, buscando afirmar-se e realizar a manutenção do seu poder, passa a responsabilizar as pessoas submetidas à sua égide pelos comportamentos que imprimam desarmonia no grupo social, legitimando assim o poder estatal no próprio Contrato Social. Justificava-se, então, a punição, em razão do fato de que ao transgredir as normas a todos imposta, o criminoso deixaria de ser considerado cidadão, um igual, e passaria a ser um inimigo (ROUSSEAU apud RABENHORST, 2002). A punição era uma retribuição justa ao mal causado, fosse ou não ela proveitosa. 

Com as transformações econômicas e sociais desencadeadas a partir da Revolução Industrial, ao final do século XVIII, a demanda excessiva por mão de obra não mais se fazia necessária, sendo imprescindível a criação de novos mecanismos de controle que abarcassem o excedente improdutivo e assegurasse a manutenção do poder das elites produtivas. Nesse sentido, a concepção do paradigma da ordem cósmica, bem como as filosofias penais que pregavam o mero caráter Retributivo da pena foram sendo superadas, favorecendo o desenvolvimento do paradigma utilitarista da defesa social. (ZOLO, 2002, p. 25).

Paralelamente, os ideais iluministas, as teorias da escola positivista, puramente racionalistas, e os ideais liberais propagados por movimentos como a Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, também passaram a influenciar a concepção de punição, de modo a defender a suavização das penas, pois não era concebível em uma sociedade em pleno desenvolvimento econômico e político, a aplicação de sanções que desrespeitassem a condição humana das pessoas. A pena ganhou, então, uma dupla função: se por um lado, esta se destinava a retribuir o mal causado pelo indivíduo em razão dos comportamentos delituosos, de outro teria a função de coibir tal prática pelos demais membros da comunidade, através da disseminação do temor ao poder punitivo do Estado (ZOLO, 2002). Para que o indivíduo fosse aceito novamente no grupo, era necessária sua ressocialização, ou seja, sua reeducação dentro dos parâmetros ideológicos da sociedade.

Diante desse contexto, não mais se legitimava a imposição de penas que imprimissem castigos físicos e fomentassem os espetáculos públicos, pois afastavam a racionalidade em sua aplicação, surgindo a necessidade daquelas que isolassem o criminoso, enquanto se encontrasse em “processo de recuperação”.

Nesse sistema, a partir de então, a prisão, surgida como forma de encarceramento na Inglaterra em meados do século XVI, tornara-se a principal forma de punição no mundo ocidental, por constituir-se o instrumento estratégico dos mecanismos de poder, tendo em vista que criou o limite do intolerável na delinquência e afirmou os valores da sociedade capitalista (SILVA, 2013).

Com o desenvolvimento econômico e o crescimento do comércio impulsionados pelas transformações da sociedade industrial, os grandes centros urbanos na Europa, especialmente em Londres, passaram a representar o principal polo de atração das massas camponesas - em geral, trabalhadores expulsos das terras, quando da dissolução dos laços feudais, e transformados em mendigos e vagabundos. Com a evasão rurícola e a superlotação da cidade, a pobreza e a marginalidade passaram a propiciar o aumento da criminalidade e os meios de punição adotados até então, passaram a ser ineficientes. Nesse contexto, surgem as primeiras formas de encarceramento como meio de segregação e punição. 

Quando das suas primeiras expressões, através da transformação do Castelo de Bridewell em prisão, por volta de 1553, e da disseminação das “Casas de Correção” por toda Europa, a prisão teve por objetivo dar destinação ao contingente de pessoas marginalizadas que se aglomeravam no centro Londrino em busca de trabalho e não obtinham êxito, passando a mendigar e a praticar pequenos furtos de alimentos para garantir a sua sobrevivência (MELOSSI; PAVARINI, 2006). Essas prisões, portanto, destinaram-se a dar uma ocupação laborativa ao contingente improdutivo da sociedade, tendo em vista a ineficiência dos meios de punição frente ao crescente índice da criminalidade e a necessidade de ampliação da mão de obra oferecida durante aquele período. Outrossim, intentavam desencorajar a mendicância dos demais e incentivar o sustento próprio a partir do trabalho.

Somente ao final do século XVIII, é que a prisão vai adquirindo suas feições atuais de punição e segregação do transgressor, que necessitava de correção para ser reinserido no convívio social.

O panorama de evolução dos modelos prisionais no Brasil não destoou do que ocorrera na Europa. Importada para o Brasil no período do Império, por volta do século XIX, a prisão como forma de punição destinou-se, inicialmente, à segregação da parcela negra da população, composta por escravos do período Colonial e libertos, bem como à punição dos “vadios” e dos militares que provocassem desordens nas ruas da cidade. O sistema carcerário funcionava, portanto, como forma de controle exercido pela classe proprietária sobre as pessoas de sua propriedade (NUNES, 2009).

Posteriormente, em meados do século XIX, as práticas prisionais repressivas foram sendo redirecionadas às classes sociais inferiores e não-escravas e, a partir de 1850, as instituições de encarceramento no Brasil foram ganhando nova forma, através da criação da Casa de Correção do Rio de Janeiro - cuja construção foi iniciada em 1834 e concluída apenas em 1850 -, destinada à execução de pena de prisão com trabalho e com o estabelecimento de uma Casa de Detenção em 1856 que, por sua vez, destinava-se à reclusão dos presos enviados pelas autoridades policiais, judiciais e administrativas (ALMEIDA, 2014).

A evolução do pensamento criminológico foi essencial à criação das bases para a implantação do sistema prisional como forma de punição, as quais permanecem vigentes até os dias atuais.

 

2.2 Acepções do modelo retributivo de justiça: a construção do crime enquanto desvio social do indivíduo e o pensamento criminológico da década de 70

 

O modelo de punição que ensejou a transformação da maneira de perceber o transgressor, ultrapassando o caráter meramente restaurador da paz social e instalando a perspectiva de retribuição, também possibilitou o desenvolvimento do instrumento punitivo até hoje mais utilizado pelos países ocidentais, a prisão. Este modelo configura-se como o modelo Retributivo de Justiça. Fruto da evolução histórica e da construção do crime enquanto desvio do indivíduo dentro do ordenamento jurídico, tal modelo tem como premissa a aplicação de uma “vingança do Estado”; a pena ao transgressor, em decorrência do mal por ele causado e; através dos seus conceitos, influenciou - e influencia -, de forma contundente, a maneira como compreendemos o crime e os elementos que o compõem, a exemplo da vítima e do criminoso.

Durante vários séculos, o pensamento criminológico, baseado na percepção etiológica da criminalidade, compreendeu o crime como algo característico de determinados indivíduos e de seus comportamentos, baseado na ideia de que era possível a existência do mal-estar, presente em cada ser, de forma patológica, desde o momento da sua concepção. Além disso, o citado pensamento, em momento anterior, considerou o crime como responsabilidade única das ações de cada pessoa enquanto ser independente. 

A partir do século XX, inicia-se uma desconstrução do pensamento etiológico, com o surgimento, nos anos 60, das teorias do labelling approach, definidas, nas palavras de Andrade apud Arnaldo Xavier (1997, p. 205) da seguinte maneira:

 

[...] o desvio - e a criminalidade - não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída à reação (ou controle) social, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social; isto é, de processos formais e informais de definição e seleção.

 

Entendia-se, portanto, que a criminalidade constituir-se-ia a partir de um sistema de atribuição de caráter legal ao crime, definindo quais condutas deveriam ser entendidas como criminosas e, a partir de então, escolhendo determinados sujeitos para atribuir-lhes o rótulo de criminosos. Era, portanto, o crime percebido como inerente de uma reação social e a criminalidade, uma construção seletiva e desigual, frutos, então, do processo de criminalização (XAVIER, 2008).

Todavia, com a evolução do pensamento criminológico, as novas teorias que perpetravam a seara de estudo do crime, a partir da década de 70, desdobraram-se no surgimento da criminologia crítica, cuja intenção seria considerar que é imprescindível analisar o crime diante de um contexto social, econômico, político e cultural, de modo que possamos encará-lo, primeiramente, como uma expressão do conflito social próprio do sistema capitalista. Segundo essa corrente, a forma de punir de cada sociedade sofre variações de acordo com o modo de produção por ela adotado, tendo em vista que tal fator influenciará nos bens jurídicos, cuja proteção será considerada indispensável para a manutenção do sistema e que, por conseguinte, ensejará a construção das normas penais (SILVA, 2013).

Destarte, a criminalidade não deve ser considerada como um fenômeno isolado, característico da natureza de determinados indivíduos e de seus comportamentos nocivos às normas penais, mas sim “a partir da seleção dos bens protegidos penalmente, dos comportamentos ofensivos relativos a esses bens, e dos indivíduos estigmatizados” (XAVIER, 2008, p. 10).

Com efeito, a partir das concepções implantadas por essas novas teorias, passou-se a compreender todo o fenômeno do crime de maneira diferenciada, suscitando a indagação quanto ao modelo de Justiça adotado na grande parte dos países ocidentais e promovendo a reflexão acerca de novas formas para a solução dos conflitos.

 

3 DESCREDIBILIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES OFICIAIS DE CONTROLE E A PROBLEMÁTICA DO CRIME NO BRASIL

 

O crescimento massivo dos índices da criminalidade no Brasil nos últimos trinta anos, têm demonstrado inequivocamente a ineficiência dos meios punitivos adotados, provocando, dentre outras situações, a descredibilização das instituições de controle perante o senso comum, responsáveis pela repressão às práticas criminosas.

Embora a discussão do tema suscite diversas reflexões, tais como a respeito da redução da maioridade penal, a produção de leis penais mais severas e a criminalização de condutas que atentem contra novos bens jurídicos, é imprescindível questionarmos a eficiência dessas medidas e sua possível atuação paliativa diante da problemática da criminalidade, analisando-a a partir de um viés crítico. Para tanto, faz-se necessário conhecer essa realidade que assola o país e compreender os fatores que contribuem para a sua manutenção.

 

3.1 Da ineficiência dos meios repressivos ao crime

 

De acordo com os dados divulgados no Mapa da Violência 2014, entre os anos de 1980 e 2012 a taxa de homicídios na população não jovem passou de 8,5 para 18,5 por 100 mil habitantes “não jovens”, representando, portanto, um acréscimo de 118,9%. No que tange à população jovem, por sua vez, que compreende aqueles entre 15 e 29 anos, a taxa de homicídios passou de 19,6 em 1980 para 57,6 em 2012 por 100 mil jovens, o que representa um aumento de 194,2%, demonstrando a eclosão de homicídios entre a parcela que se encontra nesta faixa etária. O estudo aponta, ainda, que entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337, sendo este o maior número já registrado.

Além desses índices, a partir do relatório do Estudo Global de Homicídios 2013, realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) e lançado mundialmente em abril de 2014, constatou-se que, segundo dados obtidos junto ao Ministério da Justiça referentes ao ano de 2012, um em cada dez homicídios registrados no mundo, naquele ano, ocorreu no Brasil, o que representa 11% de todos os 473 mil casos de homicídio registrados.

No que se refere aos crimes de roubo, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a violência, o Brasil possui a terceira maior taxa de roubos registrados na América Latina, dentre os dezoito países analisados (PNUD, 2014).

Diante dos indicadores do crescimento da criminalidade no Brasil, é possível verificar-se também, e não por coincidência, o aumento da sensação de insegurança nos brasileiros, que têm cada vez mais investido nos sistemas de segurança privada, com vistas a se protegerem das mais diversas ameaças, as quais se encontram cotidianamente expostos.

Segundo a pesquisa de opinião divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em julho de 2012, por meio do seu Sistema de Indicadores de Percepção Social, em cada dez brasileiros, seis relataram ter “muito medo” de serem vítimas de assaltos à mão armada, assassinato e arrombamento de residência, e mais da metade relataram ter “muito medo” de sofrer agressão. O estudo também revelou a insatisfação dos brasileiros em relação à atuação das instituições policiais, constatando que apenas a Polícia Federal obteve resposta “confia muito” superior a 10%, enquanto as Polícias Civis e Militares dos estados receberam apenas 6% da resposta positiva, o que demonstra clara reprovabilidade da população à ineficiência na atuação dessas instituições de controle.

É necessário salientar, entretanto, que os índices que apontam para o crescimento da sensação de insegurança no país, embora reais, refletem também a atuação preponderante de outro fator influente, a mídia, na formação da opinião pública acerca da problemática do crime. Desta feita, ainda que incontroversa a constatação de que o Brasil enfrenta grave situação em relação à questão, é possível verificar o desenvolvimento de uma verdadeira cultura do medo que, conquanto não especificamente direcionada ao objeto crime, tem se mostrado intrinsecamente relacionada a ele.

Com o auxílio dos aparelhos midiáticos, através dos diversos programas sensacionalistas e apelativos veiculados pela televisão ou via radiodifusão, a construção da ideia de um Estado caótico e cada vez mais inseguro é incutido no imaginário da população, especialmente daqueles com menor acesso à informação e de menor grau de instrução, principal público alvo desses programas. Essa disseminação do medo relacionada ao crime apresenta-se como a mais nova ferramenta de controle social utilizada pelas elites dominantes, especialmente pelas instituições políticas, para garantir a perpetuação do seu poder e justificar a manutenção do sistema de punição Retributivo.

No mais, ao nos depararmos com esse cenário alarmante, passamos a questionar o porquê da massificação das práticas criminosas nas últimas décadas e, principalmente, o que tem sido feito - se tem sido feito - para combatê-las.

É mister ressaltar que, em contrapartida, o país vivencia uma explosão das taxas de encarceramento, que do ano 2000 até o ano 2011, sofreu um acréscimo de 110%, passando para um total de 514.582 presos. Já no ano de 2012, o Ministério da Justiça, pelo Departamento Penitenciário Nacional, divulgou que a população carcerária brasileira até junho daquele ano atingiu a marca de 549.577 presos, o que representa o crescimento do índice de punibilidade por crimes no Brasil.

Da mesma forma, outro fator relevante é a quantidade de mandados de prisão expedidos e ainda não cumpridos que, segundo dados divulgados em março de 2013, pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), correspondiam a 192.611, expedidos entre junho de 2011 e janeiro de 2013, o que corresponde a 70% dos mandados de prisão expedidos nesse período (CNJ, 2014).

Os dados supracitados apontam para o fato de que as medidas cabíveis ao combate ao crime no Brasil vêm sendo realizadas, juntamente com as medidas de prevenção a essas práticas, dentre as quais as políticas públicas de segurança e o investimento em educação de base e programas de capacitação para inserção no mercado de trabalho. Contudo, os índices da criminalidade se apresentam ora crescentes, ora inalterados, o que nos leva à compreensão de que os meios de punição adotados se mostram ineficientes, pois atuam de forma superficial diante dessa problemática, sublimando os reais fatores que fundamentam a resposta negativa dos meios punitivos no combate ao crime.

Estes fatores caracterizam-se, essencialmente, pela estrutura do sistema punitivo e do processo criminal, que atribuem ao Estado: o status de principal ofendido pelo crime e, portanto, titular absoluto do direito de punir; a negligência às necessidades da vítima e a negação ao seu papel fundamental no processo; bem como, de modo geral, a própria destinação do modelo Retributivo de justiça, que visa apenas a retribuição, por parte do Estado, do mal causado pelo indivíduo infrator.

Nessa seara, observa-se que o modelo punitivo adotado pelo nosso país não mais alcança sua principal destinação, qual seja, a de garantir a segurança individual e pública. Desta feita, imprescindível e inevitável é a busca por alternativas à proposta Retributiva de justiça.

 

4 DA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA

 

Nas palavras de Zehr “[...] a lente que usamos ao examinar o crime e a justiça afeta aquilo que escolhemos como variáveis relevantes, nossa avaliação de sua importância relativa e nosso entendimento do que seja um resultado adequado” (ZEHR, 2008, p. 168).

Tal afirmação nos leva a compreender que a forma como enxergamos o crime – bem como os atores que nele estão envolvidos - e a justiça, é determinante para avaliarmos a maneira como lidamos com a problemática da criminalidade e da insegurança pública. As respostas que propomos por meio do sistema penal e processual vigente para a questão, que, como visto, estão longe de satisfazer a experiência real do crime, são frutos das lentes Retributivas através das quais vislumbramos esses fatores.

Diante desses fatos, como não aceitar que a coerção é a única resposta plausível ao problema do crime? Como não entender que diante da situação caótica na qual nos encontramos, propagada pela cultura do medo, a solução é legitimar ao Estado o direito de retribuir ao transgressor o mal por ele causado, em razão do descumprimento da norma penal?

Destarte, faz-se necessária a busca por alternativas à forma de enxergar a solução, mas principalmente o problema. É nesse contexto que se desenvolve a proposta restaurativa, que se propõe a compreender a justiça e o crime a partir de outro foco e oferecer novas respostas à questão.

 

4.1 Sob um novo enfoque: a justiça e o crime na concepção restaurativa

 

A Justiça Restaurativa, ou processo restaurativo, surge como alternativa à solução dos conflitos a partir da década de 70 nos Estados Unidos e na Europa, pautada nas práticas de mediação e diálogos pacificadores, estabelecidos pelas culturas africanas e pelas primeiras nações da Nova Zelândia e do Canadá (ALMEIDA, 2014).

A Nova Zelândia foi pioneira na implantação do sistema restaurativo de justiça, quando da edição do Children Young Persons and Their Families Act em 1989, que obteve grande sucesso na reformulação do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, conseguindo prevenir e diminuir a reincidência dos jovens infratores (AGUIAR, 2007), aplicando as práticas restaurativas para dirimir conflitos oriundos das violações criminosas. Outros países, em seguida, passaram a adotar o modelo restaurativo como forma de solução de conflitos, tais como Canadá, Argentina, Estados Unidos e Reino Unido.

A consagração no âmbito internacional da regulamentação do modelo restaurativo, todavia, somente vai ocorrer através das Resoluções 1999/26, de julho de 1999, 2000/14, de julho de 2000 e 2002/12, de 2002, da Organização das Nações Unidas (ONU), as quais trataram, respectivamente, acerca do “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e de Justiça Restaurativa na Justiça Criminal” e definem os princípios que norteiam o Programa de Justiça Restaurativa (AGUIAR, 2007, p. 113).

O modelo Restaurativo de justiça propõe, primordialmente, uma nova forma de encarar o crime e, por conseguinte, a estrutura da justiça e do processo penal. Nesse sentido, em contraposição ao modelo Retributivo - que sustenta que o crime é uma violação ao Estado e às normas penais por ele estabelecidas, e que o processo penal consiste numa disputa travada entre Estado e criminoso, para que o primeiro imponha ao segundo a culpa pela prática do crime e lhe inflija dor em decorrência disto -, o modelo Restaurativo de justiça vem propor que o crime é uma violação de pessoas e relações interpessoais e que a justiça deve buscar a reparação do mal causado, seja ele de qualquer natureza, envolvendo nesse processo a vítima, o criminoso e a comunidade (ZEHR, 2008).

Inicialmente, ao compreender que o crime constitui-se como uma quebra da relação esperada entre indivíduos, pautada no devido respeito para garantir a convivência harmônica em sociedade, as lentes restaurativas demonstram que o principal ofendido dessa violação é a própria vítima, vez que rompe com seu sentido de ordem, de significado e de confiança nos seus relacionamentos com o outro, surgindo para ela, a partir de então, uma série de necessidades que precisam ser supridas (ZEHR, 2008).

A vítima de um crime necessita da reparação do prejuízo sofrido, porém também carece de respostas. Por que foi ela a escolhida para sofrer tal violação? O que de fato aconteceu? Será que ocorrerá novamente? De que forma ela se sente em relação ao criminoso? Como seguir em frente, a partir de então? A resposta a essas perguntas são essenciais no processo de recuperação da vítima, pois lhe darão suporte para superar a vitimização.

Nesse sentido, é preciso um espaço para que a vítima externe a sua experiência do crime, para que lhe seja possível atribuir significado àquela vivência. Entretanto, na estrutura processual adotada pelo modelo Retributivo, no qual o Estado é o principal ofendido com a prática do crime, a participação da vítima é relativizada, pois esta somente recebe atenção quando necessário o seu testemunho dos fatos e, frequentemente, não é convocada para acompanhar o desenrolar e o desfecho do caso. A experiência de justiça no modelo Retributivo, tão essencial no processo de recuperação da vítima, é negligenciada. Desta feita, a Justiça Restaurativa objetiva resgatar o papel da vítima dentro do processo penal (NOBRE, 2009).

Outro fator que compõe a proposta da Justiça Restaurativa é o olhar diferenciado sobre o infrator. Sem adentrarmos na discussão acerca dos fatores que contribuem para a formação do “criminoso” na ótica Retributiva, é mister destacar, entretanto, o papel que o mesmo exerce no contexto do processo penal.

Ao criminoso, compreendido pela justiça Retributiva como aquele que transgrediu a norma penal preestabelecida, será apenas atribuída a culpa pela prática do ato e fixada sua pena. Durante todo o processo, o transgressor, ora réu, terá seus direitos representados pelo defensor, cujo interesse é, acima de tudo, arguir sua inocência ou pleitear a redução da sua pena pelo convencimento do julgador, ainda que, de fato, se saiba que este praticou a conduta danosa. Pouco ou nada se refere à real violação ocorrida com a prática do ato, qual seja a dos interesses da própria vítima, menos ainda se trata a respeito do que levou ao indivíduo transgressor a praticar tal ato e, principalmente, se o mesmo consegue internalizar o porquê do seu comportamento ser tão danoso à vítima, não devendo ser repetido. Vítima e infrator são, portanto, no contexto Retributivo, meros coadjuvantes (ZEHR, 2008).

Assim, se o crime for punido com pena privativa de liberdade, o ofensor será encaminhado a uma instituição penitenciária para o seu cumprimento e, diante da realidade prisional e da superlotação dos cárceres, é provável concluirmos que dificilmente a prisão contribuirá para a recuperação dos valores desse indivíduo, necessários à sua reinserção no convívio social. Tampouco se espera que serão cultivados os padrões de comportamento não-violentos, mas ao contrário, sendo provável que ele deixe a prisão apresentando uma compreensão ainda mais distorcida dos relacionamentos interpessoais. Ao passar pela experiência prisional, inclusive, o instrumento deixará de servir - se considerarmos que em algum ponto serviu - como forma de coerção à prática de outros delitos, tendo em vista que ele terá provavelmente constatado que é possível sobreviver àquela realidade hostil.

Na visão Restaurativa, entretanto, o ofensor, assim como a vítima, também é parte do processo. O intuito será estimular a responsabilização do ofensor pelas consequências para a vítima resultantes do seu ato.

As etapas do processo deverão provocar a desconstrução de racionalizações por parte do infrator, tais quais: de que a vítima mereceu o acontecido; que o seu comportamento foi legítimo e está justificado em resposta à marginalização e à negligência das suas necessidades pelo Estado e pela sociedade e; de que a violência e a violação do direito alheio são as únicas formas de obter aquilo que deseja ou de retribuir as injustiças que lhe são praticadas. Caracteriza-se, pois, pela internalização da responsabilidade pelo ato praticado e pela busca, juntamente com o ofensor, dos meios para reparar a situação (ZEHR, 2008).

No mesmo limiar de restauração, segue a ideia de que a comunidade também carece de uma experiência de justiça. Quando um crime é praticado e os laços sociais dos indivíduos são rompidos, a sensação de convivência harmônica de direitos é perdida. A insegurança e a ausência de confiança nas relações travadas se elevam e é possível constatar a indignação frente a uma possível situação de impunidade. Assim, o modelo Restaurativo de justiça, pela sua estrutura, permite a participação da comunidade na escolha da melhor forma de reparação ao crime.

O cerne do processo restaurativo é, portanto, estabelecer que o crime é uma lesão e, desse modo, a justiça deve ser compreendida como a reparação dessa lesão e não apenas como punição do ofensor. Nesse contexto, promove-se a interação da vítima, do ofensor, dos familiares e da comunidade na busca da solução do conflito, de forma a alcançar uma maior coesão social (NOBRE, 2009).

 

4.2 Do processo restaurativo: como funciona?

 

Em contraposição ao procedimento Retributivo, o processo Restaurativo não possui um rito formal e pré-estabelecido em lei, ao contrário, cada procedimento será especificamente determinado de acordo com o contexto de cada país no qual esteja inserido. Contudo, apresenta como características básicas a voluntariedade das partes, a informalidade relativa e o fato de ser sempre pautado no encontro e na cooperação.

A voluntariedade apresenta-se em razão da necessidade das partes envolvidas, primordialmente vítima e ofensor, escolherem o procedimento restaurativo como forma de resolução do conflito, não lhes sendo imposta tal alternativa. Quanto à informalidade, verifica-se no fato de que o procedimento adotado para solução do conflito possui variações de acordo com o caso em concreto, caracterizando-se como um procedimento multidimensional (COSTA, 2014).

Destarte, o modelo Restaurativo objetiva, ainda, promover o encontro e a cooperação das partes envolvidas no processo para buscar a melhor forma de resolução do conflito instaurado. Nesse ponto, é essencial a promoção do diálogo entre os atores envolvidos acerca dos fatos que ocorreram, das necessidades surgidas à vítima e à comunidade, em razão da situação conflituosa, e a compreensão acerca das causas e das implicações do crime para o ofensor. Para tanto, faz-se mister a participação de um terceiro imparcial para intermediar o diálogo. Esse facilitador não precisa ser autoridade judiciária, bastando ser justo.

Uma vez alcançado o propósito Restaurativo, o acordo será encaminhado ao Judiciário para a manifestação do Ministério Público e do advogado ou Defensor Público e, posteriormente, para a homologação do Juiz. Com a celebração do acordo, será realizada a verificação judicial do seu cumprimento para assegurar a reparação do dano, sendo necessário asseverar que esta reparação não necessariamente perpassa a ideia de restituição material. É possível que a reparação tenha caráter simbólico, como um abraço e/ou um pedido de desculpas, ou que se caracterize pela restituição do trauma ético ou na restituição material (COSTA, 2014).

É preciso ressaltar ainda que existem diversas práticas de caráter restaurativo, dentre elas destacam-se a mediação, as reuniões coletivas e os círculos decisórios. A principal diferença entre a mediação e as reuniões coletivas e círculos decisórios, é o fato de que nos dois últimos existe uma espécie de mediação ampliada, haja vista que o acordo restaurativo não possui caráter individual como no primeiro, sendo construída a solução ideal do problema em conjunto com a comunidade (BRANDÃO, 2014).

Finalmente, é imprescindível destacar que a discussão acerca das práticas Restaurativas não tem por escopo produzir um modelo base que será aplicado a todas as situações de conflito, de modo a superar completamente a possibilidade e a necessidade de aplicação das práticas punitivas empregadas pelo modelo Retributivo, tal como a pena privativa de liberdade. O que se propõe é enxergar o significado do crime e o que normalmente deve ser feito diante dele, ou seja, a regra geral, não afastando outras formas de lidar com este diante de casos excepcionais (ZEHR, 2008).

Diante do exposto, é possível inferir que todo o processo Restaurativo é direcionado para o restabelecimento da paz jurídica que fora violada, bem como que a busca pela melhor solução do conflito envolve a participação dos verdadeiros atingidos com a prática da conduta lesiva.

 

5 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE JUSTIÇA RESTAURATIVA

 

Frente ao novo paradigma Restaurativo de Justiça, busca-se a superação dos ideais que norteiam todo nosso entendimento acerca do crime e da punição, para que seja possível a inserção dessas práticas alternativas. O desafio, entretanto, consiste na desconstrução da cultura de guerra e de retribuição que norteiam a nossa concepção de justiça e o fomento à substituição desse pensamento pela possibilidade de solucionar os conflitos interpessoais sem o uso da força e da violência.

Contudo, no contexto da justiça penal brasileira, “tradicionalmente marcada pela imposição unilateral e verticalizada da norma positiva, impregnada de formalismo” (BRANDÃO, 2014, p. 04), a inserção de práticas alternativas pautadas no diálogo e na cooperação dos envolvidos não encontra grandes espaços.

Podemos afirmar, no entanto, que embora a legislação brasileira não alberga dispositivos com práticas totalmente restaurativas, abrange diplomas legais que podem ser utilizados para sua implementação, tal qual a Lei 9099/95, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que prevê a possibilidade de, nas ações penais privadas - nas quais vigora o princípio da oportunidade e que atribui ao ofendido o direito de acionar o Judiciário para buscar a prestação jurisdicional - os envolvidos optarem pelas práticas restaurativas e não levarem a demanda ao judiciário.

Na mesma premissa segue o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, SINASE (Lei 12.594/2012), que se caracteriza por ser um conjunto de princípios e critérios que estabelecem a aplicação das medidas socioeducativas, reguladas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa Lei traz em seu art. 35, III, a prioridade de instauração das práticas restaurativas e o atendimento às necessidades da vítima na execução das medidas socioeducativas.

A Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ trouxe, por sua vez, como inovação, o estímulo aos órgãos judiciais a oferecerem mecanismos de solução de conflitos, por meio das chamadas vias consensuais. Como desdobramento disso, o CNJ firmou em agosto de 2014, o Protocolo de Cooperação para Difusão da Justiça Restaurativa com a Associação de Magistrados do Brasil – AMB, que foi responsável por articular vinte instituições federais, agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organizações Não Governamentais (ONGs) para desencadear um movimento nacional voltado para a difusão da Justiça Restaurativa.

Já no primeiro semestre de 2015, o CNJ lançou a campanha nacional “Justiça Restaurativa do Brasil”, em parceria com a AMB. O projeto tem como principais objetivos a pacificação de conflitos, a difusão de práticas restaurativas e a diminuição da violência.

Até o mês de maio de 2015, o CNJ constatou que quinze estados do Brasil já adotaram as práticas restaurativas. O Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília foram os pioneiros na implementação das práticas e já desenvolvem projetos de cunho Restaurativo que encontram apoio da Secretaria de Reforma do Judiciário e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). No Distrito Federal, o projeto é desenvolvido no âmbito do Juizado Especial Criminal para crimes de menor potencial ofensivo, em que a pena máxima é de um ano; em Porto Alegre, o projeto de Justiça Restaurativa desenvolvida na 3ª Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas da Infância e da Juventude, que alcançou caráter definitivo em 2010 (BRANDÃO, 2014) e; em São Caetano do Sul/SP, o projeto é desenvolvido no âmbito da Infância e da Juventude (NOBRE, 2009).

Ainda em referência aos projetos que têm como base as práticas restaurativas, é possível ressaltar que no ano de 2013, a Universidade Federal da Paraíba passou a contar com o Núcleo de Extensão e Pesquisa em Mediação e Conflito – MEDIAC, que desenvolve pesquisas e objetiva difundir a ideia da Mediação, enquanto alternativa à solução dos conflitos no âmbito acadêmico e na sociedade civil.

Diante do exposto, é perceptível o gradativo processo de inserção das práticas Restaurativas como forma de resolução de conflitos no judiciário brasileiro. Importante ressaltar, esses avanços demonstram a inequívoca busca por modelos alternativos de justiça que, de alguma forma, se proponham a fornecer novas respostas à questão do crime e que envolva no processo todos os interessados diretos na resolução do conflito, objetivando, nesse sentido, o rompimento do paradigma Retributivo - que nos oferece uma perspectiva unilateralista do crime e da justiça - e a transformação da cultura acerca das questões penais.

 

CONCLUSÃO

 

O presente ensaio buscou demonstrar, inicialmente, a ineficiência do modelo punitivo adotado pelo Brasil, frente à crescente problemática do crime.

Diante dessa constatação, aludimos que alternativas são estudadas no intuito de encontrar novas respostas à questão e que, dentre elas, encontra-se a proposta Restaurativa, que transforma toda nossa concepção acerca do crime e da justiça, além de propor novas formas de desenvolver o processo de solução dos conflitos. 

Inferimos, entretanto, que, ao contrário do que vem ocorrendo no âmbito internacional, no Brasil as práticas Restaurativas, embora venham ganhando espaço, estão inseridas dentro do contexto da justiça Retributiva, o que pode implicar na aplicação dessas práticas apenas como mais um meio alternativo de punição, não atendendo à completude da proposta.

Para sua inserção e eficiência como nova forma de praticar a justiça, substituindo a cultura de guerra pela cultura de paz, asseveramos que se faz mister a quebra dos paradigmas culturalmente arraigados que determinam as lentes através das quais enxergamos o crime e a justiça.

 


REFERÊNCIAS

 

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* Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba; Advogado Criminalista; Doutor em Direito pela Universidade de Valência; E-mail: romulo.palitot@uv.es.

** Professor do Centro Universitário de João Pessoa - Unipê, Diretor da Escola de Gestão Penitenciaria do Estado da Paraíba; Especialista, Mestre e Doutor em DH pela UFPB; E-mail: mazukyevicz@hotmail.com.

*** Mestra na área de concentração em Direitos Humanos do PPGCJ da Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, Paraíba; E-mail: tamisain@hotmail.com.