(AUTO)REGULAÇÃO DO MERCADO, DIREITO CONCORRENCIAL E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: É POSSÍVEL UMA CONCORRÊNCIA PERFEITA?

 

MARKET SELF-REGULATION, COMPETITION LAW AND ECONOMIC ANALYSIS OF LAW: IS A PERFECT COMPETITION POSSIBLE?

 

Mariana Oliveira de Melo Cavalcanti[1]*

Adrualdo de Lima Catão[2]**

 

RESUMO:Partindo da estreita relação entre mercado, direito e economia, o artigo se propõe a utilizar a Análise Econômica do Direito a fim de avaliar os fundamentos das normas antitruste em cotejo com a natureza da concorrência. Entendendo o mercado como processo dinâmico, questiona as bases teóricas do Direito Concorrencial e enfoca as consequências nocivas da intervenção estatal na tutela concorrencial, minando a autorregulação como força endógena e produzindo distorções por meio da criação de um ambiente artificial de negócios.

 

Palavras-chave:Direito Concorrencial. Análise Econômica do Direito. Regulação do Mercado. Direito e Economia. Concorrência Perfeita.

 

ABSTRACT:On the assumption of the close relationship between market, law and economics, the article uses theEconomic Analysis of Lawin order to assess the fundamentals of antitrust rules in comparison with the nature of competition. Understanding the market as a dynamic process, it questions the theoretical bases of the Competition Law, highlighting the harmful consequences of state intervention in its tutelage, undermining self-regulation as an endogenous force and producing distortions through the creation of an artificial business environment.

 

Keywords: Competition Law. Economic Analysis of Law. Market Regulation. Law and Economics. Perfect Competition.

 

Recebido: 15.05.2017

Aprovado: 21.06.2017

 

1 À GUISA DE INTRODUÇÃO – A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE MERCADO, DIREITO E ECONOMIA.

 

Compreendido como um locus no qual agentes econômicos procedem à troca voluntária de bens e serviços, o surgimento do mercado se dá de forma prévia à estruturação do Estado moderno ou de um corpo jusnormativoformalmente organizado. Assim como o Direito, o mercado pressupõe a existência de relações intersubjetivas, marcadas pelo reconhecimento de um direito de propriedade capaz de atribuir, aos indivíduos, condições e possibilidades para a livre disposição destes bens e serviços.

Neste sentido, Beckert (2009, p. 248) pontua:

 

Os mercados são arenas de interação social. Eles fornecem uma estrutura social e uma ordem institucional para a troca voluntária de direitos sobre bens e serviços, que permitem aos atores avaliar, comprar e vender esses direitos[3].

 

Dessa maneira, a função precípua do Direito em relação ao mercado se dá por meio de uma clara definição e salvaguarda do direito de propriedade, o qual é subjacente ao processo de trocas voluntárias[4] e garante uma melhor alocação dos recursos escassos. Do mesmo modo, o fenômeno jurídico pode ser compreendido a partir de suas consequências e, sobretudo, da natureza muitas vezes indutora de comportamentos, própria de sua linguagem prescritiva, estruturada a partir de modais deônticos (“P” permitido, “V” proibido/vedado, “O” obrigatório), pelo que se torna viável uma maior proximidade com os métodos e ferramentas da Economia.

Por ser a ciência que tem por objeto a análise de como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos para produzir, distribuir e consumir bens variados, a Economia transcende o próprio mercado, sendo aplicável, inclusive, ao estudo do comportamento humano (behavioraleconomics), albergando fatores sociais, emocionais e cognitivos para explicar o processo decisório de indivíduos e instituições, com resultados relevantes em áreas como a escolha pública (a chamada publicchoice, que hoje figura como um ramo da teoria econômica).

Neste contexto, a Análise Econômica do Direito (também denominada Law andEconomics) é uma corrente que propõe uma visão multidisciplinar do Direito, associando-o, especialmente, à Economia, disciplina da qual incorpora ferramentas para a criação de uma metodologia própria, destinada a se debruçar sobre o direito enfatizando as consequências geradas pelas normas, seja em seu processo de formulação, no plano legislativo, ou de concretização, no plano da decisão judicial. Ivo Gico Jr. (TIMM, 2012, p.01) a conceitua como:

[...] o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.

 

A Economia, portanto, deixa de atuar tão somente como prognose – i.e, referencial de previsibilidade do comportamento das pessoas e instituições quanto à obtenção e alocação de recursos escassos –, e passa a ser utilizada como ferramenta idônea a identificar resultados não necessariamente mercadológicos decorrentes da norma jurídica, explicitando sua aptidão para, por exemplo, ao moldar as relações intersubjetivas, distorcer, corrigir (?) ou orientar o mercado, também considerado como uma esfera de interação social.

Nesta ótica, descabe uma visão meramente analítica do Direito, uma vez que, para além da análise sintática associada à estrutura deôntica da norma, bem como a hermenêutica jurídica comumente atrelada ao conteúdo semântico, o imperativo pragmático demanda o estudo normativo em cotejo com a realidade e o contexto social, pelo que valoriza a validação empírica e rechaça o essencialismo.

Demonstrando a insuficiência de uma abordagem meramente lógico-analítica ao Direito, Maccormick (2006, p.30-31)aponta:

 

No atual contexto, porém, estamos interessados não na demonstração de verdades lógicas, mas em sua aplicação, ou seja, a aplicação de formas de argumentação logicamente válidas em contextos legais. Do fato de ser válida a argumentação decorre que, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão deverá ser verdadeira; mas a própria lógica não tem como determinar ou garantir a veracidade das premissas. Se elas são ou não verdadeiras é (ou pelo menos pode ser) uma questão empírica.

 

Dando ênfase às consequências – inter partes e sistêmicas –, a Análise Econômica do Direito pode subsidiar a tomada de decisões tanto no processo legislativo quanto na solução de processos subjetivos, sem prejuízo das técnicas hermenêuticas tradicionais ou de outros enfoques pertinentes à compreensão do Direito.

De fato, a interdisciplinaridade na análise do direito lhe acrescenta não só em conteúdo, mas, também, em método, não se podendo afirmar que exista uma incompatibilidade entre o método de análise jurídica e econômica. Apesar disto, em que pese estarem associadas, Direito e Economia, como ciências autônomas, nem sempre dialogam e mantêm tradições acadêmicas muitas vezes divergentes, a exemplo do eficientismo econômico e da (de)ontologia jurídica. Nesta seara, considerando o Poder Judiciário como instituição, é pertinente destacar North (2006, p.17):

 

[...] as instituições são formadas para reduzir incertezas por meio da estruturação das interações humanas, o que não significa implicitamente que os resultados serão eficientes, no sentido dado a esse termo pelos economistas.

 

Assim, se por um lado a ciência jurídica não pode se perder completamente do estudo dogmático das leis postas, tomando-as como ponto de partida, uma incursão zetética sobre a utilidade delas também se faz relevante, mormente em tempos de profusão legislativa e enunciação de incontáveis “princípios”.

Neste sentido, mesmo o modelo adotado pelo constituinte para tratar a ordem econômica, na qual se insere a tutela do antitruste, assim como sua interpretação pela legislação inferior, tribunais e órgãos administrativos de defesa da concorrência podem ser questionados no tipo de análise proposto. Outrossim, é próprio da abordagem zetética não se limitar a explanar ou mimetizar a sistemática vigente, mas, sobretudo, questioná-la.

Cotejando tal proposta com a metodologia da Análise Econômica do Direito, constatamos quea busca pela eficiência comumente se coloca como corolário da análise das consequências, sobretudo em um contexto normativo, que transcende a visão positiva (descritiva do que “é”) para propor o que deveria ser. 

No âmbito do Direito Concorrencial ou Antitruste, objeto do presente estudo, busca-se tradicionalmente tutelar a liberdade de comércio, a proteção ao consumidor e a livre inciativa na tentativa de aproximar o mercado de um modelo de equilíbrio e concorrência perfeita, embora se reconheça tais noções como meramente ideais – uma abstração lógica impossível de se perfazer em sua totalidade em condições reais.

Questionando estes pressupostos neoclássicos, e compreendendo o mercado como processo, debruçar-nos-emos sobre os fundamentos das normas antitruste à luz da Análise Econômica do Direito e os postulados da Escola Austríaca de Economia[5], a fim de lançarmos luz sobre os caminhos e possibilidades da “eficiência” postulada pelo Estado na regulação de mercados e na tutela concorrencial, refletida no ideal da “concorrência perfeita”.

 

 

2 A POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E SUAS BASES TEÓRICAS

 

A Constituição Federal reserva o Título VII à ordem econômica e financeira e nele traça seus contornos, remontando ao valor social do trabalho e da livre iniciativa,fundamentos da Repúblicajá previstos no art. 1º, IV. Assim dispõe o constituinte no art. 170:

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995).

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 

O constituinte adotou um modelo “intermediário” no trato da matéria, o qual, em tese, buscaria conciliar a liberdade de iniciativa com interesses sociais subjacentes, como a defesa do consumidor.Deste modo, privilegiou o desempenho da atividade econômica pela iniciativa privada enquanto, por outro lado, incumbiu ao Estado a atividade de planejamento, fiscalização e regulação desta. É o que se depreende, sobretudo, da leitura do art. 173 da Constituição:

 

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei[6].

 

Tratando especificamente do direito antitruste, a Constituição prossegue, em seu art. 173, §4º, disciplinando que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Por sua própria redação, nota-se que a referida norma constitucional tem eficácia limitada (SILVA, 1998, p.81-82)[7], demandando uma regulamentação que lhe confira plena normatividade ulterior.

Assim, com vistas a concretizar a prescrição insculpida no art. 173, §4º e o princípio exarado no art. 170 da Constituição, associando-o às demais normas informadoras da ordem econômica, a livre concorrência foi disciplinada no Brasil sob a égide do novo sistema constitucional a partir da lei nº 8.158/91, documento normativo que alterou a lei nº 4.137/62 (a primeira a de fato tratar das normas antitruste, criando o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

A partir de então, duas alterações substanciais ocorreram na legislação pátria, sendo a primeira por meio da lei nº 8.884/94, que transformou o CADE em autarquia, reestruturou as competências das autoridades de defesa de concorrência e inovou a disciplina dos atos de concentração e condutas anticompetitivas.

A última alteração relevante se deu com a edição da lei nº 12.529/11, que modificou a estrutura organizacional do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, acrescentou o controle prévio dos atos de concentração e alterou procedimentos administrativos de investigação e repressão a condutas anticompetitivas, mudando não só os parâmetros mínimo e máximo das multas, mas também suas bases de cálculo.

Assim, tem-se que, no atual regramento infraconstitucional, seguindo os ditames do art. 1º da Lei nº 12.529/2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência objetiva “a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”, mesclando valores orientados por ideologias diversas, na trilha do ecletismo constitucional. A tal respeito, anota Camargo (2001, p.82):

 

Vários elementos dos modelos ideológicos puros anteriormente expostos aparecem nos textos constitucionais, muitas vezes se entrechocando, de tal sorte que o jurista ortodoxo se perplexifica com a aparente contradição entre as disposições. E os dispositivos que conformam a ordem econômica não fogem à regra. Daí por que a ideologia adotada na ordem jurídica não tem compromisso com determinado modelo ideológico puro, pois que elementos de cada um destes se fazem presentes devidamente harmonizados é que a compõem.

 

Resta saber, contudo, como se dá tal harmonização na práxis concorrencial brasileira. Reconhecendo as dificuldades de conceituação no âmbito doutrinário, Massimo Motta e Lucia Helena Salgado definem política de concorrência como “o conjunto de políticas e leis que asseguram que a concorrência no mercado não seja restringida de maneira a reduzir o bem-estar econômico” (MOTTA; SALGADO, 2015, p.29).

Contudo, desde o início não encontraremos uma acepção unívoca para tal definição, uma vez que, conforme os próprios autores mencionados reconhecem, o sentido de “bem-estar” está longe de ser pacífico, oscilando principalmente entre o “bem-estar econômico”, que enfoca o excedente total (soma do excedente do consumidor e o excedente o produtor), e o “bem-estar do consumidor”, que privilegia o excedente do consumidor, sendo este a medida agregada do excedente de todos os consumidores[8] (MOTTA; SALGADO, 2015, p.18).

Para além de definições, é evidente que a própria atividade de tutelar da concorrência pressupõe a existência de um parâmetro comparativo pelo qual seja possível confrontar um estado atual a um estado desejado, recorrendo à intervenção estatal para pretensamente corrigir o mercado e aproximá-lo a noção ideal de concorrência perfeita. Em sendo assim, o Direito Concorrencial finca suas bases não só na assunção de sua existência, mas na busca por um estado de equilíbrio de mercado.

Tal situação se daria em um cenário onde nenhum competidor é suficientemente capaz de determinar o preço de um produto, possuindo ingerência, tão somente, quanto à quantidade do produto ou serviço que colocará à oferta, dado que a formação do preço será resultado da interação de indivíduos no mercado.

No entanto, é justa e inerente ao livre mercado a existência de monopólio decorrente da maior competência da empresa ao, por exemplo, ter ganhos em eficiência por meio de investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) ou, ainda, desenvolver inovações. Neste sentido já se colocava Schumpeter e sua teoria da “destruição criativa” também aplicável ao antitruste, em que defendia a maximização do bem-estar pela sucessão temporária de monopólios, garantindo ao empreendedor lucro suficiente para se compensar do alto risco de fracasso inerente às inovações[9].O autor vê este movimento como natural, salientando (SCHUMPETER, 1997, p.132):

 

Apenas uma coisa nos interessa aqui: o resultado final deve ser uma nova posição de equilíbrio, na qual, com os novos dados, reine novamente a lei do custo, de modo que os preços dos produtos agora sejam de novo iguais aos salários e rendas dos serviços do trabalho e da terra que estão incorporados nos teares [o produto com o qual dá o exemplo], mais os salários e rendas dos serviços do trabalho e da terra que ainda devem colaborar com os teares para que o produto possa vir a existir. O incentivo a produzir mais e mais produtos não cessará antes que se alcance essa condição, nem antes que o preço caia como resultado do crescimento da oferta. Consequentemente, o excedente do empresário em questão e de seus seguidores imediatos desaparece. Não em seguida, é verdade, mas, em regra, apenas após um período maior ou menor de diminuição progressiva.

 

Assim, de per se, o monopólio não é indesejável, o que de início suscita questionamentos a respeito do controle prévio ou preventivo da concorrência, limitando os atos de concentração. (fusões, aquisições, incorporações, aquisição de controle) e cooperação econômica (como as joint ventures)[10].Traçadas tais considerações, resta avançar para analisar o modelo brasileiro diante da natureza da concorrência, proporcionando um encontro dialógico entre Direito e Economia.

 

3 AS NORMAS ANTITRUSTE E A NATUREZA DA CONCORRÊNCIA.

 

Sendo um verdadeiro elemento de caracterização do mercado, a competição implica, ao agente econômico, não só a consideração sobre suas próprias decisões (no que tange, por exemplo, à fixação do preço), mas a preocupação quanto às prováveis decisões de outros atores que possam entrar em competição. Afirma Beckert (2009, p. 248):

 

Os mercados contêm não apenas o elemento de troca, mas são caracterizados pela concorrência, o que significa que a existência de um mercado pressupõe pelo menos três atores: um, de um lado do mercado, confrontado pelo menos outros dois atores do outro lado cujas ofertas podem ser comparadas. "Pode-se dizer que existe mercado onde quer que haja competição, mesmo que apenas unilateral, para oportunidades de troca entre uma pluralidade de potenciais partes" (WEBER, 1985, Vol. 1, p. 635). Os atores de ambos os lados da interface do mercado têm interesses parcialmente semelhantes e em parte conflitantes: embora ambos tenham interesse no intercâmbio de um bem, têm interesses conflitantes em relação ao preço e outras especificações do contrato, a partir do qual uma "luta de preços" emerge e resulta - se o intercâmbio está para acontecer - em um compromisso entre os parceiros de troca[11].

 

Em que pese a aparente obviedade da constatação de que a competição é uma característica inerente ao livre mercado, o modelo de “mercado em concorrência perfeita” considerado na doutrina concorrencial, inspirado na tradição econômica neoclássica, deflaciona o papel do empreendedor e o fato de que o mercado é um processo, e não um dado estático.

Seguindo a tradicional doutrina do Direito Concorrencial, Nusdeo (2005, p.267) elenca as características de um mercado em concorrência perfeita, um modelo idealizado que retrata, em tese, as condições ideais de mercado:

 

[...] o regime de concorrência perfeita exige para se considerar caracterizado um grande número de requisitos, dos quais são essenciais os seguintes: a) grande número de compradores e de vendedores em interação recíproca; b) nenhum deles suficientemente importante a ponto de exercer qualquer influência nas condições de compra ou de venda do produto em questão (atomização de mercado); c) homogeneidade do produto das operações; d) plena mobilidade dos agentes operadores e de seus fatores, isto é a facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por parte de qualquer interessado; e) pleno acesso dos operadores a todas as informações relevantes; f) ausências de economia de escala; g) ausência de economias externas (externalidades).

 

Fundadas em tais premissas, a doutrina e legislação concorrencial passaram a conceituar práticas como “atos de concentração” e “monopólio”, considerando um dado “mercado relevante”. Contudo, tal visão desconsidera a própria competição como força endógena do mercado, atuando em constante movimento para a formação de preços e outras condições de entrega do produto ou serviço ao consumidor. Mais do que isto: ignora não ser a natureza do mercado um dado fixo e revelado, mas um processo em constante mutação, no qual os agentes cometem e corrigem erros de alocação de forma gradual.

Reisman (1998, p. 07) trata deste ponto em cotejo com uma crítica à teoria do equilíbrio parcial marshalliana, sobretudo no que se refere ao conceito de “firma representativa” ou “firma típica”. Sustenta o autor:

 

Ao propor a doutrina do equilíbrio parcial, Marshall introduziu o conceito perverso da "empresa representativa" - uma alegada empresa média, cuja multiplicidade supostamente constituiria uma indústria. Esse conceito destruiu a capacidade da teoria econômica de reconhecer até mesmo a possibilidade de competição. Isso porque, se todas as empresas de uma indústria fossem, na verdade, perfeitamente iguais, nenhuma base poderia existir para qualquer delas ganhar na concorrência, ou, portanto, para tentar competir em primeiro lugar. Não surpreendentemente, a aceitação do conceito de empresa representativa conduziu algumas décadas mais tarde à conclusão (considerada na época como uma descoberta revolucionária) que não existia nenhuma razão para uma empresa de porte considerável jamais cortar seu preço, exceto em condições em que pagaria uma única firma monoponista para fazê-lo. Isso se daria porque seus concorrentes, todos supostamente tão eficientes quanto, iriam imediatamente corresponder ao seu corte. Assim, teria pouco ou nada a ganhar cortando - certamente não o negócio de seus concorrentes. A solução para esse alagado estado de coisas é supostamente uma política antitruste radical, que fragmentaria todas as grandes empresas, ou então a nacionalização de tais empresas e/ou o controle do governo sobre seus preços - e outras políticas que forçariam as empresas na mesma indústria a produzir produtos idênticos e indistinguíveis. Desde a década de 1930, esta doutrina e sua elaboração constituíram a substância do conteúdo teórico da maioria dos livros de "microeconomia"”[12].

 

Também enfrentando a matéria em seu artigo Platonic Competition (Competição Platônica), Reinsman questiona a teoria da “concorrência pura e perfeita” como elemento central da teoria econômica contemporânea e da regulação antitruste. Segundo ele:

 

O que a doutrina da "pura e perfeita concorrência" procura é a abolição da concorrência entre os produtores. Seu "ideal" é um estado em que nenhum produtor é capaz de tirar qualquer negócio de outro produtor. [...] Este "conceito" divorciado da realidade, este "ideal de perfeição" platônico, retirado da inexistência para servir de "padrão" para julgar a existência, é uma das principais razões pelas quais empresários foram aprisionados ou impedidos de se expandir, e porque o progresso econômico foi retardado e a melhoria do bem-estar material do homem significativamente reduzida[13].

 

Em verdade, o foco e a busca por um “equilíbrio” de mercado – seja geral ou parcial – é pretensão teórica incapaz de valorar o elemento motor da economia: o comportamento do indivíduo e, sobretudo, do empreendedor. Na consecução do lucro, estes últimos fomentam a competição oferecendo oportunidades mais atraentes de negócio, identificando, criando e explorando oportunidades geradas pela desigualdade entre oferta e demanda. Nessa linha, registra KIZNER (2012, p. 34):

 

Uma ciência econômica que enfatize o equilíbrio tende, portanto, a desprezar o papel do empresário. Seu papel passa a ser identificado com os movimentos de uma posição de equilíbrio para outra, com as “inovações” e com as mudanças dinâmicas, mas não com a dinâmica do próprio processo equilibrador. Em lugar de tratar do empresário, a teoria dominante do preço tratou da empresa, enfatizando marcadamente seus aspectos de maximização de lucros. [...] A ênfase na empresa (que, na nossa opinião, deve ser vista como uma combinação de empresário e proprietário de recursos) levou também ao fracasso em reconhecer a importância da pura propriedade de recursos para assegurar posições de monopólio na produção. O monopólio passou a ser associado à empresa e, daí, infelizmente, ao empresário. Ao mesmo tempo, a ênfase no equilíbrio tolheu qualquer apreciação possível da noção de competição que, como vimos, é a característica mais notável do processo de mercado.

 

Kizner prossegue criticando a demasiada ênfase em um “estado de coisas determinado” (i.e., o equilíbrio) e remetendo expressamente a uma das características tidas como desejáveis pela doutrina concorrencial: “atomização do mercado”. Para o economista, “não importa o que os leigos queiram dizer com a expressão “competição”: o teórico do equilíbrio passou a usá-la para conotar um mercado no qual cada participante é fraco demais para efetuar qualquer mudança nos preços” (KIZNER, 2012, p. 34).

De fato, tais características do modelo de “concorrência perfeita” repercutem em uma curva de procura horizontal, perfeitamente elástica (elasticidade procura-preço), inexistindo incentivos para que a empresa pratique um preço diferente do preço de mercado. Daí porque se diz que, nesta situação, o empresário seria um pricetaker (“tomador de preço”), com atuação incapaz de impactar o mercado de forma relevante. Neste sentido, em “concorrência perfeita”, o empresário estabeleceria o preço do bem ou serviço em identidade com o seu custo marginal, ou seja, praticando preço igual ao custo de produção de uma unidade adicional. Sobre este ponto, observa BARBIERI (2013, p. 134):

 

Isso nos leva a uma das principais características da ideologia intervencionista: a recusa de examinar teorias sobre o funcionamento do estado, recusa essa disfarçada de pragmatismo. [...] Entre os economistas, por exemplo, as teorias deixaram de funcionar como guias para a comparação institucional e assumiram o papel de “ferramentas” de intervenção pública, cuja aplicabilidade dependeria das circunstâncias particulares. Na microeconomia, seguindo o espírito da Economia do Controle de Lerner, a análise da igualdade entre preço e custo marginal como característica definidora de alocações de equilíbrio eficientes serve da mesma forma como guia para avaliar, em cada caso, a necessidade de controle por parte do estado, novamente desconsiderando qualquer referência a elementos institucionais que possam levar a questionamentos sobre a lógica da atuação estatal que pretende corrigir as falhas do mercado.

 

A análise da elasticidade-preço da demanda, atrelada à visão neoclássica de equilíbrio de mercado, não só deflaciona os reflexos das intervenções estatais, como também desconsidera que a variável do preço não pode ser determinada em termos absolutos, mas sofre influência de outros elementos considerados pelo indivíduo na sua escolha de compra.

É este o enfoque desenvolvido pela Escola Austríaca de Economia a partir da teoria do valor subjetivo, desvinculando a formação de preços da mera soma de custos de produção ou trabalho agregado (características intrínsecas) e passando a enfatizar a percepção subjetiva dos contratantes, sensível a outros aspectos como marca, reputação, moda e publicidade.No escólio de Menger (2007, p. 146):

 

A medida do valor é de natureza inteiramente subjetiva e, por esta razão, um bem pode ter grande valor para um indivíduo economizador, pouco valor para outro e nenhum valor para um terceiro, dependendo das diferenças em suas necessidades e quantidades disponíveis. O que uma pessoa desdenha ou valoriza ligeiramente é apreciado por outro, e o que uma pessoa abandona é freqüentemente escolhido por outro. Enquanto um indivíduo economizador estima igualmente uma determinada quantidade de um bem e uma quantidade maior de outro bem, observamos freqüentemente avaliações justamente opostas com outro indivíduo economizador[14].

 

Assim, considerando a dinamicidade do mercado e a influência da percepção subjetiva do consumidor, são frágeis as bases da teoria concorrencial ao designar conceitos como “preços supra competitivos” e “equilíbrio de mercado”, tendo em vista não se tratarem de dados estáticos, objetivos ou suscetíveis de controle pelo Estado.

 

4 OS CAMINHOS DA (AUTO)REGULAÇÃO DO MERCADO E DA CONCORRÊNCIA À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: ALCANÇAR A EFICIÊNCIA É POSSÍVEL?

 

À luz dos postulados teóricos explicitados, é possível questionar as aptidões da intervenção estatal para “corrigir falhas do mercado”, mormente no que tange à tutela da concorrência. Em verdade, as medidas interventivas de que pode se valer o Estado – que vão desde a regulação até a exploração direta de atividade econômica, nos termos dos arts. 173 e 174 da Constituição –, quando implementadas, podem provocar distorções ainda maiores, criando um ambiente artificial de negócios com consequências nocivas, a exemplo do risco de captura das agências e o aumento dos custos de transação.

No primeiro fenômeno, a entidade reguladora passa a servir como meio para assegurar o interesse particular dos players (agentes) do segmento regulado, servindo a propósitos opostos àqueles pelos quais, em tese, foi criada; já no segundo, aumentam-se “custos definidos como aqueles a que estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico” (NORTH, 2006, p.10). Para o autor, estes surgem “devido ao custo de se mensurar as múltiplas dimensões valorizadas incluídas na transação (geralmente os custos da informação) e devido ainda aos custos da execução contratual”, completando que “a informação não é só cara como também incompleta, e o cumprimento de contratos não é só caro como imperfeito” (NORTH, 2006, p.34).

Tais intervenções tendem a aumentar as barreiras de entrada em um setor e acentuar sobremaneira a dita “imperfeição” da concorrência. Custos iniciais, investimentos irrecuperáveis (sunk costs), altos custos de transação, presença de externalidades, tarifas e tributos são, em sua maior parte, determinados pelo próprio Estado, provocando perdas de eficiência nos mercados – o chamado deadweight loss ou perda de peso morto.

No caso da incidência de um tributo sobre a atividade, por exemplo, perde-se um valor não transferido para os consumidores, produtores ou mesmo para o Estado, tendo em vista o consumo de tais recursos em decorrência da burocracia oriunda do próprio processo de cobrança e recolhimento. Além disso, ainda existe a diminuição na quantidade demandada e, consequentemente, ofertada, pelo incremento no preço praticado para oferecer determinado produto ou serviço, dada a elasticidade da oferta e demanda em relação ao preço.

As barreiras regulatórias e a própria proteção antitruste, portanto, podemir em sentido contrário à livre concorrência, pois, para além das questões já colocadas, a própria prática de lobby é característica não do sistema de livres trocas, mas da própria estrutura de Estado. Tratando deste ponto, salienta Ramos (2015, p. 198-199):

 

[...] as empresas reguladas conseguem convencer facilmente o regulador a aprovar barreiras regulatórias porque seus interesses, que são muito mais específicos e organizados, tendem a prevalecer sempre sobre os interesses dos consumidores, que são normalmente difusos e, consequentemente, possuem dificuldade em obter uma mobilização organizada em seu favor. E, no Brasil, há ainda um agravante: quem poderia agir em defesa desses interesses difusos, como o Ministério Público e as associações consumeristas, normalmente o fazem pedindo mais intervenção, e não mais liberdade econômica. Assim, o “mercado político” da regulação acaba sendo dominado pelas empresas reguladas, que pautam sua atuação em prol da regulação sempre com o objetivo de restringir ou impedir a concorrência nos setores regulados.

 

Desse modo, considerando o direito posto sob uma análise econômica, que confere maior ênfase às consequências geradas pela norma jurídica, é inegável a necessidade de se questionar e ir além dos postulados teóricos da doutrina do Direito Concorrencial para se vislumbrar o efeito prático nas relações sociais e de mercado.

Neste contexto, embora, para Forgioni (2005, p.61), “a concorrência seja o ‘antídoto natural’ que regula o mercado sem a necessidade de uma intervenção estatal, conduzindo o país ao bem-estar social”, tem-se que o Direito Concorrencial, concebido como uma intervenção direcionada, em tese, à proteção da liberdade de comércio, teve seu desenvolvimento histórico e teórico aliado à atividade interventiva do Estado na economia (cf. RAMOS, 2015, Cap. 2).

Em que pesea premissa da referida autora seja verdadeira, a conclusão de que “a gênese do direito antitruste está exatamente nesta preocupação institucional com a concorrência” (FORGIONI, 2005, p.61) pode não se demonstrar correta, pela pretensão de suplantar o mecanismo de autorregulação do mercado (estímulo endógeno) por meio da regulação estatal, estímulo exógeno despido do mesmo dinamismo. Se as “falhas de mercado” realmente existem, sobejam razões para acreditar ainda mais nas falhas do governo.

Na trilha de Hayek (1948, p. 105), “a tendência no debate atual é ser intolerante com as imperfeições da competição e silenciar sobre a proibição de competir[15]”. Em verdade, o modelo ideal buscado pela doutrina concorrencial visa, em última instância, a abolir o elemento mais essencial do livre mercado – afinal, a “concorrência perfeita” é, tão somente, a ausência de concorrência.

 


 

REFERÊNCIAS

 

BARBIERI, Fabio. A economia do intervencionismo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2013.

 

BECKERT, Jens. The social order of markets.In: Theory and society. Springer: May 2009, Volume 38, Issue3.

 

BRASIL. Constituição federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.

 

______. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>.

 

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* Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Cursa LLM em Direito Empresarial (FGV). Membro do Grupo de Pesquisa “Pragmatismo Jurídico, Teorias da Justiça e Direitos Humanos”.Advogada, Professora e Consultora jurídica. Contato: E-mail:mariana@mmcavalcanti.com.br.

**Doutor em Teoria do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Centro de Ensino Superior de Maceió (CESMAC) e Universidade Tiradentes (UNIT).Contato: E-mail:adrualdocatao@gmail.com.

[3]Aqui, o autor faz referência a (ASPERS, P; BECKERT, J. 2008). Märkte.In A. Maurer (Ed.), Handbuch der Wirtschaftssoziologie (p. 225–246). Wiesbaden: VS-Verlag. Tradução livre do original: “Markets are arenas of social interaction. They provide a social structure and institutional order for the voluntary exchange of rights in goods and services, which allow actors to evaluate, purchase, and sell these rights”.

[4] Murray Rothbard faz questão de salientar a relação umbilical entre o direito de propriedade e o processo de trocas. Para ele, “os economistas se referiram inúmeras vezes ao ‘livre mercado’ como um arranjo social de trocas voluntárias de bens e serviços. Contudo, apesar deste tratamento pomposo, tal análise desconsidera as implicações mais profundas da livre troca. Deste modo, o fato da livre troca significar troca de títulos de propriedade tem sido negligenciado e, portanto, o economista é obrigado a averiguar as condições e a natureza do título de propriedade que poderia ser obtido em uma sociedade livre. Se sociedade livre significar um mundo em que ninguém agride a pessoa ou a propriedade de outrem, então isso sugere uma sociedade na qual cada indivíduo tem absoluto direito de propriedade sobre si e sobre os recursos naturais, antes sem dono, que descobrir e transformar pelo trabalho, e então, dá-los ou trocá-los com outros indivíduos” (ROTHBARD, 2012, p.21).

[5] Neste ponto, pertine salientar que, tradicionalmente, a Análise Econômica do Direito está associada à abordagem econômica da Escola de Chicago, razão pela qual inova, o presente trabalho, em apresentar substrato teórico-econômico diferenciado para embasar sua metodologia.

[6] Registramos aqui a crítica aos conceitos jurídicos indeterminados relativos à “segurança nacional” e “relevante interesse coletivo” utilizados pelo constituinte, deixando uma ampla margem de discricionariedade ao legislador ordinário para assim classificar determinadas situações de exploração direta da atividade econômica pelo Estado, hipótese que, em regra, deveria ser estritamente excepcional. Como exemplo, temos o caso do monopólio da EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e as inúmeras participações societárias do Poder Público em empresas de saneamento e fornecimento de energia.

[7]Necessário creditar a tríplice classificação das normas constitucionais a José Afonso da Silva, que observa: “temos que partir, aqui, daquela premissa já tantas vezes enunciada: não há norma constitucional alguma destituída de eficácia. Todas elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que aderem e a nova ordenação instaurada [...]. Se todas têm eficácia, sua distinção, sob esse aspecto, deve ressaltar essa característica básica e ater-se à circunstância de que se diferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitos jurídicos. É insuficiente, a nosso ver, separá-las em dois grupos, como insinuam certos autores: a) normas constitucionais de eficácia plena, que seriam aquelas de imediata aplicação; b) normas constitucionais de eficácia limitada, distinguindo-se estas, ainda, em: 1) normas de legislação e 2) normas programáticas [...] Em vez, pois, de dividir as normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado considerá-las sob tríplice característica, discriminando-as em três categorias: I – normas constitucionais de eficácia plena; II – normas constitucionais de eficácia contida; III – normas de eficácia limitada ou reduzida”(SILVA, 1998, p 81-82).

[8]Cabe esclarecer que o excedente do consumidor é a diferença entre a valoração do consumidor para o bem considerado (ou sua disposição de pagar por ele) e o preço que efetivamente tem que pagar. Exemplo: o consumidor estaria disposto a pagar até R$ 50,00 por um determinado produto, que está à venda a R$ 20,00. Logo, o excedente do consumidor corresponde a R$ 30,00. Já o excedente individual do produtor é o lucro que ele perfaz ao vender o bem, enquanto, globalmente considerado, o excedente do produtor é a soma de todos os lucros auferidos pelos produtores daquela indústria.

[9] Cf. a interessante exposição de Posner sobre o autor também para aplicá-lo ao conceito de democracia. In POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.191.

[10] Cabe remeter ao art. 88 da Lei nº 12.529/11:

Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:

I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e

II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

§ 1oOs valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.

§ 2oO controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda[...].

[11]Tradução livre do original: “Markets contain not only the element of exchange but are characterized by competition, which means that the existence of a market presupposes at least three actors: one on one side of the market confronting at least two other actors on the other side whose offers can be compared. “A market may be said to exist wherever there is competition, even if only unilateral, for opportunities of exchange among a plurality of potential parties” (WEBER, 1985, Vol. 1, p. 635). Actors on both sides of the market interface have partly similar and partly conflicting interests: while they must both be interested in the exchange of a good, they have conflicting interests regarding the price and other specifications of the contract from which a “price struggle” between them emerges that results—if the exchange is to take place—in a compromise between the exchange partners”

[12]Traduzidolivremente do original: “In propounding the doctrine of partial equilibrium, Marshall introduced the perverse concept of the “representative firm”—an alleged average firm, some multiple of which was supposed to constitute an industry. This concept destroyed economic theory’s ability to recognize even the possibility of competition. This was because if all firms in an industry were in fact perfectly equal, no basis could exist for any of them winning out in competition, or, therefore, for attempting to compete in the first place. Not surprisingly, the acceptance of the concept of the representative firm led some decades later to the conclusion (regarded at the time as a revolutionary discovery) that no reason existed for a sizable firm ever to cut its price, except in conditions in which it would pay a single-firm “monopoly” to do so. This was because its competitors, all of whom were supposed to be just as efficient as it was, would immediately match its cut. […] The solution for this alleged state of affairs is supposed to be a radical antitrust policy, which would fragment all large businesses, or else the nationalization of such businesses and/or government control over their prices—and further policies that would force firms in the same industry to produce identical, indistinguishable products. Since the 1930s, this doctrine and its elaboration have constituted the substance of the theoretical content of most textbooks of “microeconomics”.

[13]Tradução livre do original: “What the "pure and perfect competition" doctrine seeks is the abolition of competition among producers. Its "ideal" is a state in which no producer is able to take any business away from another producer. […] This "concept" divorced from reality, this Platonic "ideal of perfection" drawn from non-existence to serve as the "standard" for judging existence, is one of the principal reasons why businessmen have been imprisoned, major corporations broken up and others prevented from expanding, and why economic progress has been retarded and the improvement of man's material well-being significantly undercut.

[14]Tradução livre do original: “The measure of value is entirely subjective in nature, and for this reason a good can have great value to one economizing individual, little value to another, and no value at all to a third, depending upon the differences in their requirements and available amounts. What one person disdains or values lightly is appreciated by another, and what one person abandons is often picked up by another. While one economizing individual esteems equally a given amount of one good and a greater amount of another good, we frequently observe just the opposite evaluations with another economizing individual”.

[15]HAYEK, Friedrich A. Individualism and social order.Chicago: University of Chicago Press, 1948, p. 105. No original: “Yet the current tendency in discussion is to be intolerant about the imperfections and to be silent about the prevention of competition”.